Quando a comida apresenta muitos nomes, coisa boa não é. Certamente a refeição enfrenta uma grande oposição.
Mocotó, por exemplo, é dobradinha, é bucho, é cassoulet, é mondongo.
Ele tem vários nomes somente para a mãe enganar o seu filho.
— O que tem hoje para comer? Mocotó de novo?
— Não, hoje é mondongo.
— O que tem hoje para comer? Mondongo de novo?
— Não, hoje é cassoulet.
— O que tem hoje para comer? Cassoulet de novo?
— Não, hoje é dobradinha.
— O que tem hoje para comer? Dobradinha de novo?
— Não, hoje é bucho.
Não é fácil a tarefa de tornar agradável uma combinação feita do estômago, tripas e patas do boi. É necessário abafar a verdade com muito ovo picado, toucinho, linguiça, azeitonas, feijão branco e especiarias.
Repare que os pratos unânimes só têm um batismo, uma única graça: churrasco, feijoada, macarronada. Nenhum subterfúgio. Nenhuma frescura. Prato tradicional consagra a simplicidade, não enrola e não depende de sinônimos.
Já o mocotó é polêmico, devoto de uma legião equivalente de inimigos e adoradores. Ou é amado ou é odiado.
A questão é que se não fosse barato nem existiria. Mocotó é justificado pelo custo-benefício. Não exibe glamour. Nunca será servido em casamento e formatura. Nunca será o almoço para rifa de uma igreja. Nunca será o cardápio para o Dia dos Namorados.
Afora a sujeira e o cheiro que produz. A vontade de quem faz é pedir emprestada a cozinha do vizinho. A casa ficará empestada por uma semana.
Sem contar tudo o que sobra do panelão, pois mocotó não aceita diminutivos. Seu preparo é destinado sempre a um batalhão. Toda geladeira de gente normal guarda potinhos eternos de buchada em seu congelador— pode conferir! Caso não seja seu, é herança de um antigo morador.
Mocotó é bandido. Muda de nome ao sair do país. Empreende uma cirurgia plástica com ajuda de temperos, falsifica o passaporte, adultera os registros. Em Portugal, anda pelas mesas impunemente como mão de vaca. Na Espanha, usa o disfarce de callos a la madrileña.
Assim constrói a sua fama de vilão da infância, multiplica as suas ingênuas vítimas pelo mundo e jamais é capturado pelo faro dos cães pastores da Polícia Federal.
Publicada em Zero Hora
Coluna Semanal
06.09.2016
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