terça-feira, 30 de junho de 2015

ALADIM DOS CAPRICHOS IMPOSSÍVEIS


O ansioso não é ansioso por ele, mas pelos outros.

A ansiedade é raciocinar pelos outros, é concluir pelos outros, é resolver pelos outros.

Você escuta algo, toma aquilo como uma missão e deseja concluir rapidamente para voltar a pensar em si.

A ansiedade é uma generosidade inventada pelo egoísmo.

A ansiedade é correr contra o tempo com o propósito de voltar a ter seu próprio tempo.

A ansiedade é a compulsão de atender às expectativas de quem está do seu lado para retornar aos cuidados de suas próprias expectativas.

O dilema do ansioso é que procura agradar à sua companhia para não ser criticado. Mas sempre está a fim de algo pessoal que não sobra tempo.

É alguém que come o pior do prato e reserva o melhor para o final. Certamente a comida predileta restará fria na hora de ser garfada.

Não há discernimento entre o que é importante e o dispensável. Tudo é urgente, tudo é motivo de aflição, tudo é uma perigosa avaliação de seus atos.

A próxima atividade, apenas por ser a próxima, é de absoluta premência. O pequeno e o grande têm o mesmo valor. O simples e o épico têm igual medida.

O problema do ansioso é que ele converte qualquer solicitação em prioridade. E como só consegue começar uma tarefa quando terminar a anterior, sua rotina transforma-se em gincana.

Ninguém está pedindo ou solicitando nada, só que ele se posiciona como o provedor do universo, como o telepata do casamento, como o Aladim dos caprichos impossíveis.

Como se fosse um marido saciando infinitamente os rompantes esquisitos de sua esposa gestante. E sua esposa ainda nem está grávida.

O ansioso é carente, pois nunca se julga satisfeito consigo.

O ansioso é insaciável, pois não para nem para comemorar seus feitos.

O ansioso não avalia as possibilidades, ele prefere descartá-las cumprindo uma por uma.

Se a mulher comenta que precisam comprar roupa de cama, incorpora as palavras dela como uma ameaça e pretende amanhecer na loja e se desobrigar da tarefa.

Mas ela não falou para realizar naquele instante, era uma intenção para ser cumprida durante o mês, mas o mês para o ansioso é ontem e ele não admite esperar. Ele não suporta acumular planos. Plano é tensão, plano é pendência, plano é uma decepção agendada.

Parte da hipótese de que senão fizer agora não fará nunca mais. Mas é mentira. Ele faz rapidamente porque odeia ter compromissos em aberto. Abomina ser pressionado e se pressiona terrivelmente. Ele se cobra para não ser cobrado.

Seu prazer está em finalizar os atos, não em desfrutá-los. Perde o melhor da vida que é não se preocupar naquilo que virá depois.

O ansioso é um doente terminal com excesso de saúde. Morre de uma doença imaginária.




Publicado no jornal Zero Hora
Revista Donna, p.32
Porto Alegre (RS),  07/06 /2015 Edição N°18186

Um comentário:

Maria Teresa Valente disse...

Boa tarde Fabrício, eu me delicio com seus textos tão pontuais.
Não faço comentários, porque seria um sem fim de óbvios e porque você bem sabe de sua capacidade de entender a alma humana, mas este é especial, sou ansiosa e assim como descreves.
Agradeço, abraços carinhosos
Maria Teresa