Ok, perdi. As pessoas me acham louco. Não tenho como destruir a reputação. Peguei picareta e reformei a casa do nome e não me desgrudo da fama de doido. Não é entrando no Lions Clube que mudarei minha aparência.
Qualquer fofoca fará sentido porque o louco não tem sentido algum. Não alcanço o que os outros pensam a meu respeito, prevejo o tamanho do poço de maldade em que estou enredado. Se alguém falar que desço do meu apartamento pela janela do terceiro andar segurando uma corda, todo mundo acreditará e verá nexo na cena matinal. “Bem coisa dele” será o comentário. Não vão estranhar. Nenhuma extravagância acaba sendo posta em dúvida. O desequilíbrio é o esperado, a normalidade que soa estranha em meu caso.
Por algum motivo, sou louco, e louco inteligente a ponto de não ser confinado para não aloprar os médicos. Antes pensavam que eu chamava atenção, depois descobriram que não era um talento oportunista, o feio chama a atenção naturalmente, pena que não passaram para a terceira fase do jogo da vida: não sou maluco, sou apenas atrapalhado e me envolvo em encrenca procurando a porta de saída.
A loucura não me ajuda em nada a ser feliz. Pelo contrário, cria preconceitos, gera medo, cautela e defesa de quem é mais reservado. Quando participo de conversas, existe o receio de que tome alguma atitude intempestiva, imprevisível, que dance maracatu a capela. E eu estou na minha, apenas ouvindo, não maquinando ataques terroristas de linguagem e ironia.
Agora foi. Preciso me acostumar, não tem conserto. Apenas os amigos mais próximos – poucos – me conhecem. Perda de tempo defender que não bebo e não me drogo, não saio dirigindo alterado, que amo cinema, leitura e café, que me inclino a caretice e timidez, que reúno coragem para atravessar um shopping lotado, que acordo cedo para trabalhar, que cumpro horários, que cuido da limpeza da casa inteira, que realizo supermercado, troco os lençóis semanalmente, lavo roupa, que cozinho, que me preocupo em repor as flores da sala, que não deixo nenhuma conta atrasar um dia, que me responsabilizo por dois filhos, que valorizo a disciplina como humildade e que agradeço a Deus o trabalho para sustentar a família.
Mas sou louco. Porque ainda comentarão que nenhum louco se assume.
Publicado no jornal Zero Hora
Porto Alegre (RS), Edição N°
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