Você pensa que a sua mulher não enxerga suas mentiras, você pensa que ela não percebe o quanto não atende às ligações sempre depois do almoço e depois dá um retorno com aquela voz risonha de culpado, você pensa que ela não conferiu a ausência de perfume quando volta para casa de noite (estranho para quem borrifou no pescoço, no pulso e no peito), você pensa que ela não notou que jamais desgruda do aparelho e não deixa que ela chegue perto para visualizar as mensagens, você pensa que ela é boba e idiota, que você pinta e borda, que é invisível e realiza o que quer e quando quer, você pensa que ela não identificou o seu cansaço excessivo de noite e o seu conformismo, que nem reclama pela falta de sexo (homem quando não reclama ou morreu ou está aprontando), você pensa que ela não testa as suas contradições com as perguntas mais simples, você pensa que ela não fez as mesmas perguntas para os seus melhores amigos, você pensa que ela se contenta com as suas respostas decoradas porque não discute, você pensa que ela não olha que o banco do passageiro ao seu lado está sempre reclinado quando anda sozinho, você pensa que ela já não telefonou para o seu emprego e cruzou as informações de reuniões que nunca aconteceram, você pensa que ela não levantou os nomes comuns e incomuns que adicionou no Facebook, você pensa que é capaz de enganar a sua mulher? Você pensa, mas uma mulher só é enganada se ela deseja se enganar.
Você pensa que ela não registra as suas mudanças sutis de humor, o seu nervosismo de abrir a porta da geladeira sem buscar coisa alguma, a sua ansiedade dobrando as mangas da camisa. Ela o conhece de cor: quando sincero, você é lacônico, quando trapaceia, explica demais. Você somente é paciente para conversar quando tem algo para esconder.
Ela o observa há quanto tempo? Acha que algo passaria despercebido? Tira o cavalinho da chuva. Você pensa que mulher não tem intuição, sexto sentido, atenção aos detalhes. Por exemplo, por que de repente começou a usar Halls preto? Você pensa que não é visto, que nunca será pego, que para tudo há uma explicação, desde que nunca entregue os pontos. Você pensa que a sua distração com os talheres não vem cortando o silêncio, você pensa que a verdade é ter álibi, você pensa, continue pensando.
Ela apenas não falou nada porque pretende descobrir até onde vai com a sua farsa. Mas é questão de tempo. O que lhe posso assegurar é que não existe impunidade no amor.
Publicado no jornal Zero Hora
Porto Alegre (RS), Edição N°
Um comentário:
Hahaha Muito condizente com a realidade. Parabéns pelo texto e pela sutileza de sua percepção. Nas entrelinhas, parece um Manual do que não fazer, para os (raros) desatentos.
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