A gula estraga o almoço e a janta. Transforma o que era bom em ruim, a comida sonhada em pesadelo, a paixão dos sabores em escravidão digestiva.
Estamos satisfeitos, comemos bem, mas o olho grande não abandona o prato. Mas o olho grande vai dizendo sim para mais uma porção. Mas o olho grande jura que é o fim do mundo. Mas o olho grande é um cachorro brigando pelo osso. Mas o olho grande continua repetindo. Mas o olho grande avança nas bandejas para não sobrar para ninguém. Mas o olho grande é egoísta e já trata qualquer familiar ou amigo como adversário. Mas o olho grande não come o necessário, come três vezes o necessário, ele nos faz acreditar que não teremos uma nova chance daquele banquete e que precisamos aproveitar.
O olho grande é um pobre dentro de nossos pensamentos, um chinelão, um mendigo, um vândalo, um ladrão.
Eu me sentia feliz até aquela garfada, em seguida ficarei triste, bovino e pesado.
Experimento um porre a seco, um porre alimentar, atravessei o meu limite, a ressaca é inevitável.
Por que me saboto? Custava parar um pouquinho antes. Sei o momento de desistir, é quando não baixei ainda a cabeça, é quando ainda converso, é quando ainda me mantenho sociável e amável. Em minutos, mudarei a minha personalidade. O doce virará veneno. É empunhar novamente a faca e corto também a fruição, forçando a boca a acompanhar a mente insaciável.
Serei agressivo, antissocial, depressivo, suicida. Não suporto nem mais encarar as pessoas na minha frente. Quase grito: “Vão embora, me deixem em paz!”.
Não aprendo com a reincidência. Ainda mais quando reencontro pela frente as minhas favoritas iguarias lasanha, pizza e massa quatro queijos.
Na semana passada, voltei a um dos meus restaurantes prediletos, o Café Colonial em Marques de Souza (RS), só que comi cinco bifes na chapa, cinco salsichas bock, três porções de feijão com banha e duas fritas.
Não conseguia respirar depois. Fui correndo nadar no borbulhante sal de frutas. Passei o dia enjoado, encalhado, inútil, arrotando, acenando para uma Samu do inconsciente.
Não devemos parar de comer o que gostamos, o que devemos é apenas controlar. O ideal é sair com um pouquinho de fome da mesa, despistar a gana reservando um espaço imaginário para a sobremesa.
O exagero mata o prazer. O exagero mata os melhores cozinheiros.
Publicado no jornal Zero Hora
Porto Alegre (RS), Edição N°
Um comentário:
Ainda bem que temos um gênio em nossa língua!
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