quinta-feira, 22 de setembro de 2016

A SAUDADE PERDOA



Texto Fabrício Carpinejar
Foto Gilberto Perin

A saudade já é perdão. Sentir saudade é desculpar.

Se você vem sentindo saudade é que esqueceu, é que não guardou mágoa, é que superou o ressentimento, é que dispensou a vingança, é que resolveu por dentro, com a quietude da esperança.

Quando a saudade chega não adianta mais impor regras e mandar embora. Acabaram o jogo, o blefe e as cláusulas minúsculas.

A saudade é um convite irrecusável. É um apelo. É uma passeata de pássaros.

Com a saudade, você aceitou a retratação - dita ou o implícita.

Saudade revoga prazos, ordens, ditames, censuras.

Não tem como exigir mais nada, não tem como reivindicar mudanças.

É admitir a volta sem explicação. É admitir o retorno sem contrapartida.

Saudade é um golpe de estado. Abole o que foi estabelecido antes.

Saudade é o domínio da pele, é a preponderância do cheiro, é a emoção desmontando a hierarquia das palavras.

A saudade é recompensa por seguir amando diante das inconstâncias, é a vitória do acertos sobre os defeitos.

Saudade é o fim da culpa, é o desejo livre.

Saudade é um vontade com juros: abraçar com as pernas, machucar com o beijo.

Saudade é serenar o travo, beber o seco.

Saudade é se despedir do sofrimento e ficar com a lição da cicatriz.

É respeitar a imperfeição, não precisar consertá-la para seguir inteiro. É respeitar a falha, não recorrer às mentiras para corrigi-la. É respeitar a ausência, jamais ocupar a cadeira porque está vazia.

Saudade é quando morre a idealização para não morrer o amor.

Somente o orgulhoso não é capaz de sentir saudade. O orgulhoso não avança nem anda para trás. O orgulhoso senta em cima do coração.

Publicado no Blog do Jornal O Globo
Coluna Semanal
22.09.2016