segunda-feira, 26 de setembro de 2016

CHORAR SOBRE O XAMPU DERRAMADO

A grande prova do amor feminino é dividir o xampu.

É um dos produtos que ela mais briga para conservar e menos se dispõe a partilhar. A cada banho, verifica o decréscimo dos mililitros. Aliás, xampu merecia vir com régua de mamadeira do lado de fora, tamanho o controle do néctar.

A guerra das mulheres contra bárbaros e invasores advém de longa data. Na infância, eram obrigadas a se precaverem da curiosidade dos irmãos e do pai e fiscalizarem o desperdício com rigor e olhar clínico.
Para não correrem riscos desnecessários, algumas meninas não deixavam o pote à mostra na bandejinha aérea.

Vale a pena experimentar os limites da paixão da sua namorada por você. Não se furte do embate.
Escolha o menor frasco ( sempre o mais caro), encha a mão e espalhe com vontade pelo seu couro cabeludo. Gaste generosas quantidades durante uma semana sem parar, para consolidar a baixa no volume. Se ela não vier perguntar se anda usando o xampu dela e fingir que nada aconteceu, você conquistou definitivamente o coração de sua musa. Está acima do bem e do mal, dos cuidados com as mechas e madeixas, da neurose consumista.

Já aconteceu de namorada parar de falar comigo dois dias inteiros porque notou, quando foi me beijar, que colocava o seu xampu mais caro na barba: – Não duvido que não tenha usado no sovaco e nos pentelhos.

Eu tinha, mas não confessei.

Passei por outra que terminou o relacionamento pois derrubei um pote de seu xampu Joico de R$ 200.
Considerou o gesto da envergadura de uma infidelidade. E não qualquer infidelidade. Parecia que eu havia comido a sua melhor amiga. Gritava diante da cornitude da espuma.

Lembro o epitáfio verbal de nosso amor:

– Eu economizando e você joga tudo no chão. Não cuida de minhas coisas, nem vai cuidar de mim.

Liberdade mesmo encontrei com a minha esposa, Beatriz. Inventei de pôr uma máscara de caviar da Kérastase que achei em seu banheiro. Deve ser um salário mínimo em forma de condicionador. Faz um tempão que venho aproveitando o seu poder restaurador, com o claro objetivo de lustrar e perfumar a minha careca. Ela não reclamou até agora. Se bem que o grande teste virá quando ler o meu texto.

Publicado no Jornal Zero Hora - Caderno Donna
25.09.2016
Coluna Semanal

Um comentário:

Fernanda Rodrigues disse...

É fácil se identificar com a crônica, quando você também sente ciúmes do xampu!
;)

Beijos,