Arte de Eduardo Nasi
Estava de viagem a trabalho, longe de Porto Alegre. Meu vizinho Ilton, do andar de baixo, me telefona:
- Tem um cheiro estranho no seu apartamento!
Empalideci, ele acendeu um simbólico fósforo em meus atos falhos. Revisei meus últimos movimentos: será que desliguei a cafeteira, girei certo o botão do fogão quando parei de cozinhar, fechei o registro do chuveiro?
- Estranho, como?
Já cogitei fumaça de possível incêndio, vazamento de gás. O vizinho é sempre nosso síndico informal – deve saber tudo de nossa vida, já nos cumprimenta com conhecimento de causa de como foi a nossa vida sexual no dia anterior ou o que andamos fazendo de noite.
- É um cheiro muito intenso, não sei definir. Parte das janelas – explicou, sem explicar nada.
- Pode ser mais exato? Já me deixou preocupado…
- Acho que é um cheiro de flores – ele se esforçou.
- O que há de ruim nisso, Ilton? – suspirei. Tenho cinco vasos com gérberas na sala. Aproveita a lufada do meu jardim.
- Mas é muito forte. Como se estivesse centenas de incensos queimando no mesmo lugar.
- É que sou um homem apaixonado, meu ambiente exala o paraíso – busquei brincar, só que ele persistia preocupado.
- É? Tomara que sejam mesmo suas plantas. Porque parecem rosas…Rosas de cemitério.
- Relaxa, não seja macabro, amanhã estou aí, não é nada urgente.
- É sim urgente.
- Por quê? Desde quando o perfume de flores é urgente?
- Desculpa, hoje é o aniversário de falecimento de minha mãe. Precisava descobrir de onde vem o perfume. Ela adorava rosas brancas. Acho que ela está querendo fazer contato comigo.
Crônica publicada no site Vida Breve
Colunista de quarta-feira 5/08/2015
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