sábado, 1 de agosto de 2015

QUANDO NEVAR EM PORTO ALEGRE


Todos os amigos e familiares me questionam quando voltarei a sair, a aceitar convites, a me alegrar, a oferecer chance e paciência para outras mulheres.

Todos me perguntam quando desistirei de amá-la, que já passou o tempo de luto, que está na hora de encontrar alguém, que venho exagerando na cena e no drama, que é patético sofrer platonicamente na minha meia-idade.

Eles pedem uma resposta, eu dou: somente não vou mais amá-la quando nevar em Porto Alegre.
Antes, nunca. Não mudo de ideia com tempestade de granizos, furacões, tornados.

Porque somos raros como a neve na capital gaúcha.

Deixarei de amá-la só quando Porto Alegre amanhecer coberta de branco. Coberta totalmente. E que não seja a neve granular de 1879, 1910, 1994, 2000 e 2006. E que a geada seja mais longa do que os trinta minutos de 1984, que dure algumas noites e alguns dias, que amplie o nosso entendimento do silêncio e da solidão, que aumente a gramatura da saudade e do suspiro.

Eu desistirei de nosso amor quando enxergar o viaduto da Borges coberto de branco, o Parque Marinha do Brasil coberto de branco, os telhados do Menino Deus cobertos de branco.

Só quando as torres e a cúpula da Catedral Metropolitana trocarem a brancura cinzenta das pombas pela palidez do nevoeiro.

Só quando as cerejeiras e os plátanos penderem folhas de cristal e vidro em seus galhos.

Só quando a dupla Gre-Nal cancelar os jogos no Beira-Rio e na Arena pelo mau tempo.

Só quando suspenderem os passeios de pedalinho no lago da Redenção.

Só quando o Guaíba congelar suas margens. E o crepúsculo pedir emprestado vermelho para as nuvens.

Só quando as crianças escreverem palavrões de gelo nos para-brisas dos carros.

Só quando os pais emprestarem suas mantas para os bonecos de neve dos filhos.

Só quando não decifrar meio palmo em minha frente no momento de sair de casa.

Só quando uma vassoura não for suficiente para limpar a entrada das garagens.

Só quando tiver a obrigação de me segurar nos corrimões das escadas para não escorregar.

Só quando tivermos compaixão do guarda-chuva e das galochas.

Eu abandono o nosso amor quando nevar em Porto Alegre. Antes, nunca.

Só vou deixar de amá-la quando Porto Alegre estiver coberta de branco.

Quando Porto Alegre virar a minha noiva, e daí a minha dor casará para sempre com a minha cidade.


Publicado no jornal Zero Hora
Revista Donna, p.32
Porto Alegre (RS),  26/07 /2015 Edição 18238

Um comentário:

Carine Costa disse...

Fabrício, ouvindo você falar assim, tenho certeza que o amor depende muito mais de quem decide amar do que de quem é, ou o que nos fez, nos deu, retribui, viveu conosco o ser amado..

É uma pena que penses e que queira assim... pendurar o amor por longo tempo, é uma tristeza; que viva o seu luto pelo tempo necessário, mas que não queira de verdade que algo impossível aconteça para dar nova chance ao amor.. que tua dor seja breve, porque penso que se os dois amam nunca conseguiriam ficar longe...

Um abraço do tamanho do Rio Grande e e do tamanho da minha admiração por ti!