terça-feira, 1 de dezembro de 2015

A CESTINHA



Minha irmã não queria usar a bicicleta. Havia uma única bicicleta para as quatro crianças da residência. Ela não ousava nem pedalar para ter o gostinho. Ficava furiosa quando eu insistia.

Os pais explicavam que seria muito caro uma bicicleta para cada irmão. Mas ela não se dava por vencida. Passou a infância guerreando pela sua, pedindo nos aniversários e Natais, escrevendo cartas para o Coelho e o Papai Noel. A conclusão dos pais é de que ela estava sendo egoísta e não pretendia dividir os brinquedos, que protagonizava um ataque de guria mimada – a menina da família! –, que seguia modinha entre as amigas e buscava se exibir com um produto de marca.

Não tinha nada a ver. Erramos o motivo da teimosia. Não significava nenhum motivo vinculado à vaidade. Ela desejava a cestinha. Uma bicicleta com cestinha. A bicicleta mudaria de sexo não com a cor rosa, mas com a cestinha. A bicicleta tornava-se feminina com a cestinha.

Na época, eu somente a achava trouxa, boba, pois bicicleta era tudo igual, precisava contar somente com as correias firmes que não caíssem com as descidas frenéticas das ladeiras.

Hoje, encontro justiça psicológica em sua luta. A bicicleta com a cestinha é a própria mulher. Faz completo sentido. A cestinha é a primeira bolsa, onde você sai para passear com os produtos de sua beleza. A cestinha é o primeiro ventre, em que você leva a boneca junto ao corpo e explica os caminhos e traduz o que está pensando e observando. A cestinha é a primeira responsabilidade, trazer de volta em segurança o que carregou. A cestinha é a primeira mochila de viagem, confirmação da vocação de nunca sair de casa sem estar preparada para ir longe ou se demorar. A cestinha é a formação dos segredos e mistérios. A cestinha é o namoro da gaveta do quarto com a rua. A cestinha é um banco de carona para a imaginação, para a sensibilidade, para o invisível. Diferente do banco de carona que leva alguém, na cestinha você leva os seus sonhos e as suas fantasias.

A cestinha se situa à frente do guidão como quem espera colher o melhor destino entre todas as direções. Quando Carla recebeu a bicicleta idealizada, aos 12 anos, depois de cinco anos insistindo, ela gritava sem parar, disparando a buzina da garganta. Foi uma felicidade louca. Não recordo bem o que mais brilhava: os seus dentes em riso largo ou os aros das rodas novas.






Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, p. 4,  01/12/2015
Porto Alegre (RS), Edição N°
18372

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