terça-feira, 15 de dezembro de 2015
NÃO TEM NINGUÉM EM CASA
Eu só passava o telefone de casa para quem era da família ou muito próximo. Consistia num privilégio, em reconhecimento de intimidade. Não banalizava o número para evitar trotes e sustos de madrugada. Oferecia como emergência para escola dos filhos, trabalho e assuntos médicos. Tinha uma reserva com a sua exposição. Para qualquer demanda menor e menos urgente, alcançava o número do meu celular.
Hoje nem atendo ao telefone de casa, é unicamente telemarketing. Ou é engano procurando uma Maria Sei Lá de Quê devendo algo, ou é o oferecimento de serviços de cartão de crédito. Não entendo como as operadoras de todas as tarjetas do universo e de provedores de telefonia encontraram o meu número. Meu telefone não tem somente grampo, mas clipes, grampeador, elásticos, o material inteiro de escritório. Com certeza, foi vendido em algum cadastro com o meu potencial de consumo. O telefone toca desesperadamente, e são incansáveis as ofertas de promoção. Às vezes, uma mesma empresa pede para três funcionários ligarem para mim num único dia, em absoluta tortura psicológica. E o atual nunca sabe do trabalho do anterior, não adianta informar do histórico e invocar a paranoia.
Já aprendi a flagrar quando são os vendedores atazanando. O prefixo será 11 (SP), 41 (Curitiba) e 31 (Belo Horizonte). Eu me vangloriava de receber ligações de diferentes Estados até descobrir a verdade.
Outra manha é a demora para começar a chamada, escuta-se uma lacuna metálica de transferência de linha – cinco segundos suficientes para bater o gancho (saudade de bater o gancho, metáfora para apertar o botão). Uma outra dica de prevenção é que o atendente de forte sotaque vai errar seu sobrenome: – Gostaria de falar com Fabricio Carpenujar... Carpegiani...Carpinajar. Pelo menos, não preciso mentir, digo que não tem ninguém aqui com este nome.
Atualmente o telefone de casa está imprestável, corrompido, e inverti a ordem: dou o número do celular para os mais chegados. Quem realmente é íntimo me acha pelo celular.
Da mesma forma, noto que o e-mail, antes reservado para assuntos restritos, virou caixa de spams. Gasto mais tempo apagando do que lendo. São imobiliárias com terrenos maravilhosos, propagandas de produtos miraculosos, pacotes turísticos formidáveis, afora os tradicionais vírus de cobrança. Tenho certeza de que voltaremos a escrever cartas ou visitar o amigo sem avisar.
Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, p. 4, 15/12/2015
Porto Alegre (RS), Edição N°18386
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