O homem renuncia seus títulos de nobreza quando mostra o cofrinho.
Antes disso, ainda desfruta de chances de salvação e de terapia. Existem na trajetória masculina dois períodos da cristandade no casamento bem definidos: AC e DC.
No momento em que ele se agacha, na pose de mecânico distraído, com a calça arriada e o fundilho aparecendo, acabaram suas pretensões estéticas.
Não há desculpa para a falta de cuidado. Inútil alegar que estava arrumando o vazamento da cozinha ou procurando algo debaixo do sofá e não contava com as mínimas
condições para se preocupar com os detalhes.
É pecar uma vez que o demônio da preguiça assume o corpo.
Após o vexame, o sujeito descerá a ladeira longe do trio elétrico. Cultivará a barriga, esquecerá o cinto, deixará crescer pelo no nariz e na orelha.
Será capaz de tudo: de sair na rua de abrigo rasgado, de roupão, de pantufas, de chinelos da Bela Adormecida. Não arcará com mais nenhum capricho e controle da
aparência. Abandonou o time em campo.
Coitada de sua mulher. O próximo passo é usar calção sem cueca e não perceber o que está dentro ou fora do forro.
Expor o cofrinho é próprio de macho largado. Não terá mais nenhuma vontade de agradar. Sacrificou o último estágio da censura e da decência.
Não se penitenciará pelas constantes porquices dentro de casa. Confundirá intimidade com desleixo. Logo mais estará urinando de porta escancarada, palitando os dentes
de boca aberta, soltando flatulência na cama e obrigando a sua companhia a cheirar junto debaixo do edredom e arrotando na mesa para pedir aplauso.
Testemunhar seu parceiro de quatro é tristemente inesquecível, que sempre pega a mulher desprevenida. Ela jamais percebe quando irá acontecer para se preparar e se
defender. Pode ser na frente de uma geladeira ou do armário. A camiseta levanta subitamente, a calça cai e é tarde demais para fechar os olhos e não gravar a porção indefinida entre glúteos e gordura.
O berço do ogro é o cofrinho. A paisagem desastrosa de um traseiro desgovernado não provoca cumplicidade feminina, mas rejeição. E, principalmente, desperta uma dupla pena, do homem na posição de Napoleão perdendo a guerra e de si, por estar casada com ele e não ser nem uma Josefina para ter um amante de respeito.
Publicado no jornal Zero Hora
Porto Alegre (RS), Edição N°
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