segunda-feira, 14 de setembro de 2015

MEU FILHO APRENDEU A PERDER



Jogo para ganhar. Jamais aceitei qualquer derrota, mesmo em treino, mesmo em amistoso. Não se arrisque no frescobol comigo, por exemplo, que vou encontrar um jeito de vencer, ainda que a brincadeira não proporcione nenhuma vantagem.

Só aprendi a perder por amor aos filhos. Passei a não mais me estressar com o placar pela alegria de vê-los felizes.

Quando Vicente era pequeno, eu não forçava o desempenho, não tirava vantagem de minha superioridade física, tirava o pé no futebol, treinava para acertar na trave com o gol feito. Ele sempre ganhava em nossas partidas no pátio.

Como trabalho paterno, restava-me tensionar o duelo: errar e ainda lamentar, perder e ainda resmungar e não permitir um escore muito dilatado. Dramatizava a derrota para não entregar que entregava o resultado. Disfarçava a marmelada com um toque de ribalta. O pequeno se esbaldava em comemorações, em gritos e rodopios, em uivos de triunfo, e esnobava a sua supremacia em histórias para a mãe no almoço e na janta.

Quando ele cresceu e ficou adolescente, comecei a firmar o passo, a aumentar a frequência do acerto, a equilibrar o duelo, a arrancar algumas vitórias em meio à enxurrada de derrotas. Saía lentamente da zona de rebaixamento. O esforço superava a encenação. Já suava excessivamente, já penava, já não economizava o fôlego. Fazia entradas duras e não me omitia de correr. As disputas milagrosamente se igualaram.

Festejava a humildade do meu rapaz: finalmente aceitava perder, admitia perder. Atingia um novo estágio do aprendizado da vida.

Diante dos revezes, em que não conseguia brilhar, ele me cumprimentava e reconhecia que fui melhor. Não botava a culpa nas circunstâncias. Não arranjava desculpas furadas. Até me elogiava pela vitória e me incentivava a prosseguir evoluindo os fundamentos.

Terminava encantado com o seu discernimento e a sua esportividade: inacreditável como se tornou leve e compreensivo, valorizando a competição acima do resultado! Antes intolerante e manhoso, mostrava-se solidário e gentil.

Mas não havia percebido, presa ingênua das maquinações do amor.

Tardei a ter consciência da real natureza da mudança de comportamento de meu filho.

Agora é ele quem me deixa ganhar de propósito, pois acha que envelheci.




Publicado no jornal Zero Hora
Revista Donna, p.36
Porto Alegre (RS),  23/08 /2015 Edição 18271

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