terça-feira, 15 de setembro de 2015

PARENTE E FAMÍLIA



Sempre me emociono quando reparo o quanto filhos adotivos passam a se parecer com os seus responsáveis. Ninguém diz que foram adotados: o mesmo olhar, o mesmo andar, a mesma forma de soletrar a respiração. Há um DNA da ternura mais intenso do que o próprio DNA. Os traços mudam conforme o amor a uma voz ou de acordo com o aconchego de um abraço.

Não subestimo a força da convivência. Família é feita de presença mais do que de registro. Há pais ausentes que nunca serão pais, há padrastos atentos que sempre serão pais.

Não existem pai e mãe por decreto, representam conquistas sucessivas. Não existem pai e mãe vitalícios. A paternidade e a maternidade significam favoritismo, só que não se ganha uma partida por antecipação. É preciso jogar dia por dia, rodada por rodada. Já perdi os meus filhos por distração, já os reconquistei por insistência e esforço.

Família é uma coisa, ser parente é outra. Identifico uma diferença fundamental. Amigos podem ser mais irmãos do que os irmãos ou mais mães do que as mães.

Família vem de laços espirituais; parente se caracteriza por laços sanguíneos. As pessoas que mais amo no decorrer da minha existência formarão a minha família, mesmo que não tenham nada a ver com o meu sobrenome.

Família é chegada, não origem. Família se descobre na velhice, não no berço. Família é afinidade, não determinação biológica. Família é quem ficou ao lado nas dificuldades enquanto a maioria desapareceu. Família é uma turma de sobreviventes, de eleitos, que enfrentam o mundo em nossa trincheira e jamais mudam de lado.

Já parentes são fatalidades, um lance de sorte ou azar. Nascemos tão somente ao lado deles, que têm a chance natural de se tornarem família, mas nem todos aproveitam.

Árvore genealógica é o início do ciclo, jamais o seu apogeu. Importante também pousar, frequentar os galhos, cuidar das folhagens, abastecer as raízes: trabalho feito pelas aves genealógicas de nossas vidas, os nossos verdadeiros familiares e cúmplices de segredos e desafios.

Dividir o teto não garante proximidade, o que assegura a afeição é dividir o destino.








Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, p. 4,  08/09/2015
Porto Alegre (RS), Edição N°
18288

2 comentários:

Anônimo disse...

Sensacional

Anônimo disse...

Amei