Não festejei o meu primeiro milhão porque fumei o meu primeiro milhão.
Eu me dei conta de que se juntasse as minhas baforadas com as tragadas do cantor Renato Godá, amigo de vício e de faixa etária, já teríamos posto fora R$ 1 milhão. Nesta brincadeira existencialista e maldita, torramos um patrimônio difícil de obter. Participamos de um Big Brother às avessas: em vez de ganhar, gastamos a recompensa máxima do reality show.
Cada um fumou duas carteiras por dia durante 26 anos, o que resultaria em R$ 284.700. Se esse valor tivesse sido investido há três décadas em uma aplicação que rendesse 1% ao mês, sem considerar inflação e troca de moeda, o montante atualizado com juros seria de R$ 1.170.117.
Foram quarenta cigarros do amanhecer até o anoitecer desde os 17 anos. Apaguei no cinzeiro mais de 380 mil filtros. Encheria uma piscina olímpica com as minhas bitucas.
O resultado é assustador. Nenhuma morte seria tão cara. Fui um perdulário invisível. Não percebi o investimento porque identificava como um mero troco. Quem adquire cigarro não anota sua compra, e tampouco registra como gasto. Só que empenhei uma parcela fixa diária e interminável de quinze reais. Somadas ao longo de minha história, formam uma bagatela que paralisa os mais incrédulos, digna de prêmio dividido da Mega Sena.
Com tudo o que fumamos, poderíamos abrir uma grande empresa com forte capital de giro. Ou comprar à vista uma cobertura de 300 m2 no bairro Auxiliadora, em Porto Alegre. Ou levar cinco carros Santa Fé zero quilômetro para as nossas garagens. Acabaríamos ricos, com uma poupança redentora, não precisaríamos nos preocupar com a crise e muito menos em trabalhar duro todo o mês. Mas cedemos a nossa fortuna imaginária e os nossos pulmões reais para a indústria tabagista.
Não transformamos o nosso suor em sorte, em previdência, em títulos de capitalização, em economias para a universidade dos filhos, ele simplesmente virou fumaça.
Qualquer um é considerado maluco ao queimar dinheiro. Eu e o meu comparsa músico queimamos 1 milhão de reais com a boca.
Publicado no jornal Zero Hora
Revista Donna, p.36
Porto Alegre (RS), 20/09/2015 Edição N°18300
Um comentário:
A visão do Fabrício é perfeita, mas muito incompleta.
Ele fez uma análise olhando para o passado, o que já foi gasto. Com isso ele não computou nem fez qualquer estimativa do que o espera, quer dizer, é sabido que todo fumante gasta mais com saúde ao longo da vida porque nenhum fumante é inteiramente saudável, e esses gastos crescem com o passar dos anos. Hoje em dia ele está na casa dos 40 anos e ainda pode não ter percebido isso, mas se seguir fumando, ao passar dos 50 com certeza o seu gasto com doença vai ser imensamente maior do que o de pessoas de mesma idade que não fumem.
Em suma, se ele não fumasse não teria gasto essa pequena fortuna nas primeiras décadas de vida e economizaria outra fortuna nas décadas que o levarão para a velhice. Economicamente a vantagem do fumante é que geralmente ele morre mais cedo, mesmo assim os gastos por ano de vida são maiores do que de pessoas saudáveis.
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