Não sei dançar, bem que gostaria. Marcho na pista, sou um zagueiro brucutu, não driblo, chuto a bola para a arquibancada.
Marquei três aulas com uma professora particular, ela conseguiu cancelar consecutivamente os encontros. Deve ter me visto como uma causa perdida.
Tento compensar a ausência de coordenação com a minha alegria. Pulo, grito, levanto a mão para cima, imito quem parece entender, dedico os esforços mais generosos ao disfarce.
Aproveito realmente para me soltar quando todo mundo está bêbado numa festa. É o único momento em que não chamo atenção. A tontura dos outros favorece o meu equilíbrio.
Venho de uma geração que segurava um copo de cerveja e fazia parede quando a sua namorada rebolava. Fui alicerce mais do que coadjuvante, leão de chácara mais do que par. Não experimentei, a exemplo dos filhos, as coreografias em turma e as disputas de Xbox ou PlayStation. Na minha época, menino não dançava, virava estátua: fechava a cara até o sol raiar.
Não desfrutei sequer de uma alma paciente e generosa capaz de me orientar para vencer o bloqueio. As companhias cansavam de ser espelho. Diziam que era fácil; dizer que é fácil não ajuda em nada, daí que tropeçava o dobro.
Não foi por falta de vontade. Conto mentalmente – um dois, um dois –, porém entro numa sequência patética de câmera lenta. A trilha precisa parar, senão me desconcentro. Ou conto ou danço – não sei manter ambas as funções.
Conservo um jeito monocórdio de sapatear. O pé direito vai para um lado, o esquerdo parte em direção contrária e fico olhando para cima, estilo Stevie Wonder, com a diferença dos braços engessados e da ausência do piano.
Não mudo o ritmo conforme a música. Pode tocar sertanejo, samba, rock e funk que me mexo da mesma forma. Não movimento o quadril, que permanece duro e intransponível. A ginga é restrita aos joelhos. Flexiono apenas as pernas, já me falaram que realizo alongamento fora de hora. Estou sempre uma canção atrasada. Quando demonstro uma repentina sincronia dos passos, perco-me na concentração.
Não sei dançar. Nem é porque piso nos pés dos outros, cometo algo mais grave: sorteio joelhadas e empurrões.
O que me salva ao longo do tempo é a dança das palavras, onde dou o troco e me vingo do deboche. Não sou pé de valsa, mas mão de valsa.
Publicado no jornal Zero Hora
Porto Alegre (RS), Edição N°
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