Arte de Eduardo Nasi
Várias escadarias que serviam para cortar caminho foram fechadas em Porto Alegre (RS). Terminaram gradeadas, com um portão de ferro e uma placa intimidando a entrada.
Eram escuras, eram mal iluminadas, eram apertadas, mas faziam parte de minha história. Como poderei esnobar que conheço o meu bairro se não tem mais nenhum atalho?
As escadarias das ruas João Obino e Itajaí foram os cenários de meus namoros. Após a escola, no intervalo entre o sol deitando e a lua subindo, emprestava a mochila para a menina sentar e evitar as pedras frias. Da educação, partíamos diretamente para a loucura. Beijávamos-nos ansiosamente até aparecer alguém, parávamos, trocávamos algumas palavras de despiste e voltávamos a nos beijar. O primeiro seio que toquei aconteceu ali, o primeiro seio mudou o sentido da minha mão para o resto da vida.
Escrevia mensagens apaixonadas nas paredes para a namorada que mantinha comigo a fidelidade do esconderijo.
Não sofria com o medo de assalto, muito menos fraquejava em atravessar o beco no breu. Apreciava a ausência de poste de luz e a vegetação alta. O abandono me conferia privacidade – sigilo que não encontrava em meu quarto dividido com três irmãos.
As escadarias estreitas inspiravam molecagem. Raros conheciam o seu acesso. Surpreendi amigos em corridas, ganhei alguns pilas de aposta. Chegava antes no lugar combinado partindo bem depois. Ninguém desmascarava o meu truque.
Eu descia os degraus de olhos fechados. Absorvi o seu andamento de cor: três degraus curtos, dois longos, quatro longos, três curtos, um menor do que todos, vinte curtos, dez longos.
Bloquearam o acesso ao meu elevador de tempo. Já não tenho como ir dos 44 anos aos doze anos e voltar sem que ninguém note o meu sumiço.
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