segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017
IRMÃOZINHO CHEGANDO
Depois do terrorismo familiar, estamos preparados para qualquer batalha. Quem é filho único não tem a mesma doutrinação militar.
Morar com irmãos exige resistência emocional. É fundamental suportar as oscilações dramáticas de uma vida coletiva, o que corresponde a errar, contornar o orgulho e pedir desculpa ou a de não assumir a falha, colocar a culpa no outro e fugir do castigo. São várias opções em cada cena, todas complicadas, com o diabinho e o anjo da guarda cochichando nas orelhas.
Além dos tradicionais e declarados bons sentimentos, existe o ciúme, a inveja e o medo, sentimentos que partem do insano ato de dividir brinquedos, a casa e os próprios pais.
Recordo a infância de Luiz Antonio. Ele era o segundo filho, sob a influência do conselho e da proteção do mais velho. A mãe estava grávida do terceiro rebento. A escadinha ganharia mais um degrau.
Luiz partilhava o quarto com o mano maior, distribuído em duas camas e um único armário. Não é que o primogênito lhe chamou para conversar sério.
– Olha, você notou que vamos receber mais uma pessoinha no nosso apartamento? Não terá espaço para você e será obrigado a ir embora.
O menino de quatro anos levou a sério a brincadeira. A ideia do orfanato da rua pesou em seus ombros. Enfrentou os meses finais da gestação de modo casmurro e lacônico. Mudou o seu comportamento na escolinha e na mesa. Mal falava. Mal ria. Mal fazia alguma pergunta com receio da clara resposta de despejo. O silêncio cobriu o seu semblante e não duvido que não tenha surgido a sua primeira ruga precoce.
Quando os pais foram para o hospital, Luiz tratou de fazer uma malinha. Botou dentro dela o pijama, o uniforme da escola, um par de kichute, as bolitas e o pião. Estava conformado com a partida.
Foi a mãe chegar com o bebê no colo que ele pediu licença, desculpou-se pela má hora e se despediu.
– Tchau, gente, amo vocês!
– Que foi, filho?
– Não há mais cantinho para mim, e o nenê é pequeno demais para dormir no chão.
– Não, Luizinho, você fica e a gente arruma um jeito.
O pai resolveu a situação chorosa brincando, com espírito leve, acostumado a comandar a diplomacia dos meninos quando disputavam a bola e os talheres.
Já o irmão mais velho, malandro, pressentindo que sobraria para ele, ainda deu uma de herói e foi elogiado pela generosidade durante muito tempo:
– Pode ficar com a minha cama!
Ninguém nunca soube a verdadeira história.
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