Eu faço questão de pagar o couvert artístico, peço silêncio na mesa para escutar o artista no restaurante.
Aquele desconhecido afinado pode vir a ser uma Ana Carolina, um Tiago Iorc, uma Cassia Eller — cantores que também começaram em microfones de bares.
As bandas e músicos que tocam em lugares desertos são os meus heróis. Vencem anonimamente um The Voice Brasil por dia.
Acostumados à rejeição, sofrem horrores para virar as cadeiras dos clientes. Seus adversários são críticos cruéis: a comida, os garçons, as discussões de relacionamento, os namoros, os copos quebrando, os grupos de amigos, as confraternizações ruidosas, o amigo-secreto da firma, as crianças brincando nos corredores.
Superam inimigos invisíveis para conquistar o respeito. A conversa paralela estará mais alta do que a canção, os espectadores almoçam e jantam com o desprendimento de uma tevê ligada. A mesa mais procurada é a que fica longe do palco, o palco é próximo do banheiro.
Qualquer político desistiria diante do desinteresse geral. Pois a indiferença é mais insultante do que a vaia.
Mas eles não. Tiro o meu boné para eles.
Alheio às dificuldades, os músicos são atentos e vibrantes como se a casa estivesse cheia só para vê-los. Chamam o coro para o refrão, não reduzem o ânimo apesar da ausência de eco, puxam palmas que virão dispersas.
Não têm nada para provar que existem, a não ser aquele momento. Não têm cartazes com os seus rostos, CDs com as suas letras e muito menos produtores preocupados com o tempo do espetáculo. Não saíram no jornal, ninguém comprou ingresso para assisti-los. Não foram escolhas do público, e sim acasos da rotina.
Entraram desconhecidos e vão deixar o endereço do mesmo jeito, longe do tumulto e da tinta dos autógrafos.
Seus únicos fãs são a família, mais ninguém. O camarim acaba sendo o estojo de violão, único espaço que possuem para guardar os seus pertences.
Devem trabalhar no turno inverso para pagar as contas. No expediente comercial, sonham com essa uma hora e meia de som ligado.
Mantêm uma relação pura com o talento, sem retorno imediato, sem a pressa da fama, sem a pressão da vaidade, dispostos a encontrar a melhor versão de si mesmos.
Esses artistas demonstram uma teimosia na voz que beira à loucura, porém fundamental para sobrevoar as desconfianças dos outros.
De repente, não serão conhecidos, mas estão tentando. Se não são futuro, pelo menos enfrentam o passado.
Mostram as suas composições só depois de reproduzir um repertório inteiro de covers, como uma esmola da audiência. Não se desesperam com as interrupções e não se diminuem com a solidão das sombras. Recebem uma ninharia ou ganham a refeição pela noite trabalhada. Não é o dinheiro que está em questão, e sim o espaço ocupado, a chance de ensaiar mais um pouco, o milagre de ser ouvido sinceramente por alguém.
Para quem escuta, é música de fundo, para quem canta é música a fundo.
Para quem escuta é obrigação, para quem canta é vocação.
Para quem escuta é favor, para quem canta é sempre show.
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