Pai e mãe não conseguem colocar fora nada do filho. Fracassam.
É um esguicho de tinta no caderno e pretendem emoldurar.
Sofro da mesma síndrome e entendo direitinho a compulsão.
Nem me refiro a retratos desfocados ou aos primeiros sapatos de crochê.
Você ganha a coleção de desenhos das creches, todos os trabalhos realizados em aula, desde a mão com tinta na folha até a colagem de gravetos, e deseja achar um lugarzinho no armário abarrotado.
Não há folga na estante, talvez seja necessário descartar a escritura e os documentos do imóvel, afinal filho é filho, filho é prioridade.
São pastas e pastas coloridas e você acha que descartar é como jogar o amor no lixo, que será estigmatizado como insensível, que o filho um dia irá descobrir: "Onde está o meu desenho de caramujo subindo na árvore?".
Você mantém a montanha de rabiscos como se fosse a evolução artística e mirim de um Picasso. Para preservar o acervo escolar de dois filhos, por exemplo, você tem que comprar um outro apartamento. Estará entre a cruz e a espada, o desapego ou o despejo.
O que não raciocina é que, se o desenho fosse uma obra de arte, a creche ficaria com o material, mas ela faz questão de passar adiante. No final do ano letivo, a professora entrega o dossiê criativo de 600 páginas com um riso sarcástico:
— Pai, não esquece que é para mostrar para ele quando ficar adulto.
Guardar durante 15 anos, isso? Não conserva sequer os canhotos da reforma durante tanto tempo.
A culpa é uma colecionadora compulsiva.
O momento trágico ainda é quando inventa de estampar uma camiseta com foto do filho. Como se desfazer dela depois?
A imagem estará granulada, apagada, desbotada, já é a de um alien, não mais de um bebê, e não contará com coragem para o descarte. Ninguém mais lê o nome da criança e a manifestação mimosa, mas se engasga inteiro para se despedir dela. Comparativamente, o uniforme da pelada com os amigos, que serve para lustrar os móveis, tem mais condições de jogo.
A impressão é de que vem sendo perseguido por uma câmera registrando os seus movimentos pela casa e que o ato seria visto como um crime imperdoável. Não há como liberar o pano para a caixinha da campanha de agasalho discretamente, sem fungar de piedade.
Você não possui uma recordação, é ela que possui você.
Age desconfiado e paranoico com a sua sombra, como um guarda do Vaticano protegendo o sudário.
Amor de pai e amor de mãe desrespeitam o aproveitamento de espaço. Talvez porque ambos intuem que na adolescência dos filhos não receberão mais nenhum cartão e declaração emocionada e tremida de "eu te amo". O excesso da infância termina sendo uma reserva de carinho nos períodos de longo silêncio.
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