As roupas existem para nos ajudar a desencarnar e encarnar.
É uma lição espírita.
Saber o momento em que foram úteis e também definir a hora em que não mais precisamos delas e de que outros precisam.
Amá-las enquanto história e recordação, para fazer memória de nossas emoções – a memória é o que importa em nossa trajetória –, e depois deixar que novos moradores dos tecidos sigam produzindo suas lembranças.
Oferecer a roupa é uma escola de despedida, é se desligar um pouco da pele, gradativamente, para encontrar a alma e não sofrer tanto com a própria morte. Aceitamos o fim de um ciclo para festejar o seguinte.
Dê a roupa, primeiro, para os familiares, irmãos, filhos e pais, aprendendo a dividir a herança do afeto. Em seguida, escolha algumas peças para presentear os amigos como prova de importância.
Exercite o desapego em família, assim estará maduro para estender o hábito aos desconhecidos, a todos que enfrentam inundações e tragédias, perdas repentinas e acidentes.
Um casaco pode servir a várias vidas. Um vestido pode atender vários recomeços. Uma calça pode ser uma centopeia de homens.
Os cabides são inúteis para abraços, pontiagudos, vazios, não substituirão o peso acolhedor dos ombros. Os cabides não compreendem o calor da generosidade, o afago do braço estendido. Os cabides são burros de madeira e ferro, insensíveis de plástico, jamais agradecem.
Não espere o agasalho esfriar como pedra, não alcance apenas o que já não deseja ou o que está gasto e rasgado, mas o que não tem posto no corpo há tempo. Os bens são provisórios e o egoísmo é eterno.
Não queira ser exclusivo dos objetos, seja único para você mesmo.
A roupa é o nosso primeiro corpo. Não devemos trancá-la na vaidade e na posse, abandoná-la no armário e na velhice, escondê-la aguardando ocasiões especiais que nunca vão acontecer.
Roupa é para estar em movimento. Parada, termina adoecendo as nossas virtudes.
Não tenha medo do prejuízo. O valor do caráter cobre sempre o preço da etiqueta.
Repasse adiante o seu coração de linho, o seu pulmão de lã, o seu rim de seda, ajudando aqueles que carecem de frio e de desassossego. A moda muda conforme as estações, o estilo vem do despojamento.
A roupa é a nossa possibilidade de vestir a verdade mais do que a beleza. Doe antes para não doer no futuro.
Publicado no jornal Zero Hora
Porto Alegre (RS), Edição N°
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