Eu pensava que tinha confiança. Eu pensava que tinha personalidade bem resolvida. Eu pensava que a minha estima estava em alta. Eu pensava que gostava de mim.
Até testemunhar aquele homem cantando ópera no chuveiro coletivo do Minas Tênis Clube. Ele se ensaboava e entoava La Traviata a pleno pulmão. Nem aí para os seus colegas de ducha. Fazia um show particular, bochechando vogais e treinando agudos.
Giuseppe Verdi jamais cogitou tal cena quando compôs a ópera. Talvez deixasse de escrever ao imaginar que, 164 anos depois da estreia, haveria um homenzarrão em pelo no vestiário de um clube na capital mineira gritando a sua criação.
Apesar da extravagância, não dava nem para olhar, soaria estranho e indiscreto.
Eu me senti diminuído. Nunca cometeria tamanha ousadia. Não canto sequer no box do meu banheiro. Jamais dublo canções prediletas no carro. Sofro de vergonha de cantar mesmo quando me encontro absolutamente sozinho.
Não sei o que aconteceu com ele, se é sempre assim ou se acertou a quina ou ganhou alguma herança naquela manhã ou estava simplesmente apaixonado.
A questão é que ele abusava da megalomania, esbanjava soberba, atuava como um tenor senhor do tempo.
Indestrutível. Imperturbável. Inabalável. Não ficava sem jeito por estar acompanhado. Oferecia uma aula de vaidade, um curso de autoajuda de graça.
Feliz em cima do seu tapete, em seu tatame de espuma, não procurava agradar ninguém, somente a si mesmo. Vivia a sua loucura com liberdade. Experimentava o auge do seu contentamento sem censura, sem receio do julgamento alheio, sem se esconder do contágio da fofoca.
Se todos fossem como ele, com a coragem do microfone imaginário, de não se importar com as expectativas dos outros, lavaríamos a alma muito além do corpo.
Publicado em Vida Breve em 27/9/2017
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