quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

O TARADO PELA MINHA BARRIGA



Venho hoje andando com a barriga para dentro, com um espartilho mental, quase sem respirar direito

Deixava a piscina do Grêmio Náutico União, ao lado da mulher, e um senhor veio me cumprimentar:

– Não tem vindo mais aqui, por quê?

Ele me tratava como um conhecido, mas não me lembrava dele. Muito menos quem, onde, quando. Seu tratamento era familiar com tapinha nas costas e risada bonachona. Quando fui tentar responder, amigavelmente, ele apertou a minha barriga:

– E essa gordurinha, hein? Não era assim.

O pilantra só me constrangeu diante da minha esposa e sumiu pelos corredores com o chapl, chapl das havaianas. Fiquei reprisando a última década de minha vida e seu rosto não estava fichado.

O terror é que ele vive surgindo do nada e jamais o reconheço. Nem do passado, nem da última vez e talvez a primeira vez que o vi, naquela tarde em que vestia uma sunga preta. Não guardo a sua fisionomia para me proteger, não determino a sua idade. Vivo um completo lapso. Quando recordo dos atentados, já é tarde.

Ele não muda a sua abordagem sádica, com leves variações na brincadeira. É um estranho que se aproxima e solta uma questão vaga:

– De novo com essa roupa?

Eu entro em pânico (será que venho usando as mesmas roupas?). Quando vou me explicar, ele saca o seu veneno:

– É uma roupa que não esconde a barriga.

Não sei o que fazer para fugir dele. Não engordei, não demonstro sobrepeso nenhum, mas ele consegue me envergonhar. O que mais me irrita é que encontra um jeito de alisar o meu ventre, como que me desmascarando.

Não há mais paz para caminhar no bairro. Já temo que me dará um susto detrás de uma árvore, debaixo do meu carro, de dentro do freezer do súper, sempre apontando para a minha barriga.

Enquanto a maioria das pessoas tem medo de ser assaltada, sofro um receio particular de sua aparição. Olho para os dois lados antes de entrar em algum estabelecimento.

São cinco encontros malfadados nos últimos dois meses. Suas frases são chicotadas repentinas:

– Temos um Rei Momo.
– Grávida de cinco meses?
– A cerveja empedrou.
– Quem te viu, quem te vê, virou barrigudinho.

O sujeito desconhecido criou uma paranoia tamanho GG. Venho hoje andando com a barriga para dentro, com um espartilho mental, quase sem respirar direito. Ainda morro de asma.

Publicado em Jornal Zero Hora em 19/9/2017

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