As cobranças de um relacionamento não são para corrigir defeitos. Na maior parte das vezes, são para controlar efeitos colaterais das virtudes.
Se o casal perceber que aquilo que pede para mudar é uma consequência da virtude, o trajeto da conversa será mais calmo e pacífico e adotará a crítica construtiva no lugar da terra arrasada.
O erro é a redundância do acerto. Por exemplo, uma pessoa persistente é virtuosa, já uma pessoa teimosa é defeituosa. No final, são a mesma pessoa. A teimosia é um excedente de uma característica benéfica, os danos de um dom. Você não deseja que a pessoa deixe de ser persistente, mas somente deixe de ser teimosa. Ninguém precisa deixar de ser, mas ser menos. Porque o lado ruim de um temperamento vem do lado bom. O lado ruim é um excesso natural do lado bom de cada um.
Tudo depende de moderação, de equilíbrio, e, de modo nenhum, requer a extinção radical de uma personalidade.
As falhas representam um extravasamento dos pontos positivos. Ou seja, resultados tortos de um cálculo correto.
O ciúme é efeito colateral do interesse e da atração. Não é apenas ciúme, é importância excessiva dada ao outro.
Se alguém é uma boa mãe ou um bom pai, a superproteção é uma decorrência da dedicação. Não deve representar uma ameaça para convivência, porém sinaliza antes o quanto a educação é feita com seriedade.
Se alguém é metódico, sofrerá com o perfeccionismo, implicação direta do capricho.
Se alguém é capaz de fazer render as suas economias, terá o prejuízo familiar de ser compreendido como egoísta. Talvez exacerbe a sua preocupação e controle nos momentos de diversão e alegria.
Se alguém é sonhador, certamente arcará com os frutos da sua distração.
Se alguém é corajoso, pode não compreender a fragilidade diferenciada dos outros e impor tarefas como se fossem absolutamente fáceis e banais. A coragem costuma desembocar no autoritarismo.
Não é o caso de nossa companhia abandonar uma ação, mas de dosá-la. O que nos incomoda parte também daquilo que nos agrada.
Publicado em O Globo em 21/9/2017
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