quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

MACHISMO É AUSÊNCIA DE SOLIDÃO

O homem começará a respeitar a mulher quando tiver solidão, quando ficar só por um tempo. Só, completamente só, não solteiro. Só!, segurando as dúvidas e os seus próprios pensamentos. Enquanto não for livre, não respeitará a liberdade imprevisível da mulher.

Ele até já aprendeu a ser pai, mas não aprendeu ainda a ser marido. Pois confunde a esposa ou como uma mãe, onde transfere a chatice das responsabilidades, ou como filha, onde controla os passos com ciúme e possessividade.

Quando entende a mulher como mãe, repassa a ela o papel autoritário de censora que restringe e não lhe deixa fazer as coisas que gosta. Quando entende a mulher como filha, inferioriza a companhia como se não fosse capaz de definir as suas preferências, requerendo tutela e controle. Em ambos os casos, não aceita que a mulher o abandone e se afaste. Pois as figuras de mãe e de filha são para sempre e não podem jamais virar as costas. Em sua construção mental, não acolhe a ideia de independência.

Sua dificuldade é aceitar o não, o fora, a recusa, o fim, os afetos provisórios, a felicidade enquanto é possível. Ele casa ou namora para ter alguém à disposição. O machismo é a escravidão dos laços, a escravidão disfarçada de eternidade.

Se ele desfrutasse de solidão, não exigiria a dependência nociva. A mulher o escolhe diariamente e tem total direito de cansar da relação. O direito de ir e vir é o princípio básico do amor.

Mas o homem não cultiva a solidão para compreender que o fim não é abandono, que dar adeus não é uma ofensa pessoal.

Se ele contasse com o lugar em si para voltar com o término do romance, não seria refém de sua passionalidade (ou está comigo ou contra mim).

O homem que agride é o que não suporta a solidão. Basta a mulher dizer que vai embora que ele prende, chantageia, constrange, humilha e mata.

Só que ele teme a solidão, entende infantilmente a solidão como castigo, naquele espaço de confinamento imposto pelos pais: fique em seu quarto até pedir desculpa.

Põe, a todo custo, a sua alma para longe do lar, forja uma alma pública a provar resistência e força. Ele emenda relacionamentos para não sofrer com as perdas. Não respeita o período de luto, de digestão do que deu errado na convivência para se envolver novamente. Ele não lava as suas cuecas no box do chuveiro, não enxerga a sua intimidade. Mantém casos e rolos mesmo quando solteiro. E também sabe chorar, chorar de verdade, pois chorar pressupõe casa vazia, chorar pede descontrole, a voz não virá grossa, e sim fina, distorcida, de gás hélio.

Não se permite o choro sincero, miado, em que não há como decifrar o que a pessoa disse, já que as palavras são completamente ilegíveis. Choro maiúsculo, com o rosto vermelho, inchado, como um ataque de abelhas-africanas. Choro de interdição, sem encarar o outro de modo nenhum (não se chora de cabeça levantada). Choro honesto, acovardado como deve ser, de boca aberta, não conseguindo respirar direito, desfalcado da elegância do lenço ou do papel higiênico para assoar o nariz, limpando a tristeza de qualquer jeito na manga da camisa.

Todo homem precisa se questionar: quantas vezes na vida chorei por mim, inteiro, contínuo, encharcando o travesseiro a ponto de mofar o colchão? E não num enterro ou numa perda. E não diante de alguém.

Chorar por si é a prova de solidão. A solidão masculina nos salvará do machismo.

Publicado em UOL em 22/9/2017

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