quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

CORAGEM DE APOIAR

É necessário coragem para trocar de planos e recomeçar. Mas ainda é preciso mais valentia para aceitar que o outro altere de repente o seu papel no relacionamento e o seu ideal de existência.

Certamente é corajoso quem muda de vida, mas heroico mesmo é quem apoia a mudança. Maridos e esposas, namorados e namoradas que compreendem a reviravolta, seguram a barra, improvisam na crise, para não deixar a sua companhia adoecer em frustração.

Não vão pesar o caminho com âncoras e chantagens. Não vão censurar as novidades pelo conforto das decisões já assumidas. Não vão limitar o seu parceiro em nome da segurança. Não vão usar os filhos como escudo para o medo. Não vão inibir a ousadia para manter o patrimônio.

Não acham que é loucura seguir os sonhos, acreditam que o maior desatino é não fazer aquilo que se gosta, por mais que a descoberta seja tardia e inesperada.

São álibis de viagens, de intercâmbios, de vestibulares, de reposicionamento de carreira. Nem uma possível distância física alimenta o ranço e o ressentimento. Sabem que o sucesso não vem fácil, porém entendem que o prazer pessoal deve vir antes. Melhor a liberdade do aperto a prisão nababesca da apatia.

Enquanto todos olham com desconfiança a desistência, eles não desaprovam, ainda que isso custe dinheiro a menos no final do mês e sugira caso psiquiátrico para a família.

Enquanto todos classificam o abandono de uma vaga estável por um ofício absolutamente inconstante e de complicada aceitação, eles criam condições para que ocorra a transição sem trauma e culpa. Abdicam das férias, de um certo luxo, daquela reserva preventiva pela felicidade de seu par. Duplicam as suas tarefas, multiplicam a sua paciência, dedicados a garantir uma retaguarda para sua companhia se encontrar. Não ostentam a privação, muito menos recuam com as adversidades.

Amar é oferecer a mão ao desconhecido e combater a covardia da inércia.

Lembro da história exemplar do britânico Dean Koontz, autor da trilogia Frankenstein e hoje um dia dez escritores mais ricos do mundo. Ele trabalhava como assistente social e como professor de inglês e reclamava que não sobrava tempo para escrever. Os finais de semana eram curtos para pôr em prática seus alentados projetos de romance. Cansada da lenga-lenga e do infinito adiamento da vocação, a sua esposa Gerda lhe fez uma proposta: que ele pedisse demissão. Em contrapartida, ela o sustentaria por cinco anos para que ele se dedicasse com exclusividade para as suas histórias. Não foi fácil, o orçamento minguou e qualquer página rasgada prenunciava o fracasso. Várias vezes ele quis desistir, e talvez só tenha conseguido o êxito pela inabalável insistência de alguém ao seu lado. Koontz ultrapassou os 450 milhões de exemplares vendidos, descobrindo assim que ninguém é corajoso sozinho. Há sempre um anjo da guarda fazendo sombra com as suas asas.

Publicado em UOL em 06/10/2017

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