Não é que a esposa e o marido perdem o seu desejo sexual um pelo outro, eles apenas não se encontram quando bate a vontade. Falta emparelhar os aparelhos, ligar o acesso pessoal no mesmo tempo e espaço.
A ausência não é de prazer, mas de pontualidade. Ambos têm o impulso da libido várias vezes ao dia, só que não estão juntos para concretizá-lo. É o quebranto da rotina. Continuam a fim, fogosos, predestinados, porém não funcionam com a hora marcada. E o fora de hora dos dois jamais coincide.
Não estão presentes no surgimento das fantasias e da eclosão dos instintos sensuais.
Ela pode se arrepiar no café da manhã, mas ele já está batendo a porta em direção ao trabalho. Ele pode ser subjugado por roteiros luxuriosos no almoço, mas se percebe sozinho, a léguas de um abraço.
Quantos momentos eróticos não são aproveitados? E nem são compartilhados?
Como a pele é apressada, nada é registrado em fatos. As sensações morrem com as pontadas. Não são comunicadas como na paixão.
No enamoramento, o casal não está sempre grudado, a diferença é que se telefonam ou mandam mensagens para declarar que se desejam. Não cansam de se pronunciar em nome da proximidade.
- Ah, pensei em você quando abria a tampa do iogurte.
- Ah, pensei em você quando vi aquela mesa enorme de madeira no restaurante.
Mesmo não desfrutando de condições de satisfazer as taras no exato instante em que aparecem, não guardam para si, perpetuam o interesse para a sua culminância no próximo encontro. Preparam o terreno revelando dedicação integral. A convergência torna-se mais real pois ela nunca deixa de ser elaborada em conjunto, ainda que no plano imaginário.
O casamento se restringe aos acontecimentos, talvez devido à exclusividade dos laços. Adota uma cartilha ingênua de fim da concorrência (com o mútuo pertencimento, não existe motivo de preocupação).
Assim a saudade não é denunciada, em especial a saudade do corpo. Marido e esposa desprezam os seus sintomas sexuais, concluindo que é bobagem falar tudo o que estão sentindo. As fantasias são experimentadas em silêncio, longe da conversa e do fermento e do formigamento dos ouvidos.
De monólogo a monólogo, a distância física se agrava em distanciamento mental e, depois, não há mais como ser espontâneo e simpático com tesão acumulado. A cobrança será feita equivocada, no formato da catarse e do juízo final. Quebram-se os pratos pelo pouco uso dos talheres.
Publicado em UOL em 15/09/2017
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