quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

FABRÍCIO SAIU DO GRUPO...

Nenhuma tentativa de suicídio surte tanto efeito como sair do grupo de amigos ou da família do WhatsApp. É um suicídio virtual. Se quer chamar atenção, não há maior manobra da carência.

Não precisa barbear os pulsos ou fazer selfies cadavéricas.

Quando todos visualizarem você saindo, começará imediatamente uma torrente de fofocas: o que aconteceu? Algo foi dito de errado?

Um mal estar cobrirá o resto das 248 mensagens posteriores, num misto de constrangimento, espanto e pesar.

A maior parte dos participantes vai lhe procurar privadamente para descobrir o motivo da saída. Seu telefone não vai mais parar de tocar. Não duvide se alguém aparecer apertando o seu interfone. Ou receber um buquê de rosas com alguma frase de Augusto Cury.

Experimentamos um fanatismo nas redes sociais. O abandono de um simples grupo é visto como uma desistência dos laços. Não existe mais saída à francesa. Entrará no rol dos desaparecidos, receberá a pecha de procurado, amargará a fama de anti-social, assumirá o papel de ingrato.

Ninguém supõe que a pessoa apenas cansou de fotos e vídeos engraçadinhos abarrotando o seu canal de contato com o mundo. Ninguém admite a hipótese de que o outro se fartou da chatice das mesmas ladainhas e respostas otimistas. Até porque um meme de um grupo corre para o seguinte e você termina recebendo a mesma mensagens várias vezes ao dia. No WhatsApp, nada se cria, tudo se copia.

E não se encontra um único perfil mal humorado, nervoso, irritado, todos se mostram incansáveis piadistas. É Prozac em excesso na camada de ozônio.

Os grupos são uma seleção do que há de pior na web. Tudo o que foge de olhar aparece em seu telefone: gente caindo, gente explodindo, gente bêbada, gente cometendo bobagens. Ou cachorros bocejando, cachorros cantando, cachorros pulando de sofás. Ou crianças se fingindo de adultas, ou adultos se fingindo de crianças. E gatos, muitos gatos fofos.

As palavras são raras, os emojis invadiram a Terra. Ainda seremos devorados por emojis, os novos alienígenas com seus discos voadores de corações.

Suicídio para quê? Já vivemos uma total abdução.

Publicado em O Globo em 28/9/2017

Nenhum comentário: