Eu tenho o corpo fechado. Nada é capaz de me machucar ou ferir a ponto de me anular. Cicatrizo rápido, levanto ligeiro das quedas.
Não recebi nenhuma bênção especial, não ganhei nenhum passe em terreiro na minha infância, não fui levado para nenhuma simpatia, não experimentei cirurgia espiritual.
A proteção vem de minha mãe. Quando pequeno, sempre que caía um botão, ela não pedia para tirar a camisa. Meus agasalhos contavam com um pronto-socorro imediato, um plantão de gentileza.
Ela buscava a caixinha de costura da segunda gaveta da sala e se ajoelhava diante de mim para costurar a roupa em meu próprio corpo. Pregava o botão na hora, eu sentia o vaivém da agulha perto de minha pele, a proximidade do perigo aumentava o cuidado e a salvação. Ela encilhava a linha e contornava com perícia o rasgo. Como qualquer criança presa, eu tentava me mexer e ela me advertia:
– Só um minutinho, senão vou machucá-lo.
E era condicionado a permanecer imóvel até ela terminar a tarefa. Até romper o fio com os dentes.
– Pronto, vá brincar agora.
Aquilo me fortaleceu sem que soubesse. Minha mãe, a cada peça perdida e reposta, foi também remendando as minhas dores e tristezas, desatando nós e medos, reforçando a malha de minha carne diante das adversidades da vida.
Com o poder infinito do amor materno, criou uma armadura invisível de esperança. Não somente arrumava as roupas, ela reforçava os pontos cegos de minha personalidade. Dava-me forro de abraços. Acolchoava as asas com as minhas penas.
Eu me emociono ao lembrar de sua cabeça baixa e os seus cílios rentes aos tecidos. O quanto ela rezou por mim silenciosamente naquele gesto de alfaiate.
O quanto ela acendeu velas pela minha saúde no altar de seus dedos. O quanto ela desabrochou os botões de meus olhos ao oferecer o tempo de sua fé.
Não há flecha envenenada da cobiça do outro que possa me abalar. Não há punhal afiado que possa quebrar a lealdade que mantenho com a alegria.
Eu tenho mesmo o corpo costurado contra o mau olhado, a inveja e o ciúme. Pergunte para a minha mãezinha se não é verdade.
Publicado em Jornal Zero Hora em 03/10/2017
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