É muito fácil desmascarar o mentiroso. Quando pego em contradição, fica possesso e indignado. Ataca para não se ver atacado. Distrai a atenção com o escândalo.
Todo mentiroso é um canastrão, gesticula sem necessidade, abraça o ar até sufocá-lo, tem as bochechas vermelhas de ódio, transforma companheiros de longa em data em inimigos, delata os afetos para adquirir imunidade.
Todo mentiroso esperneia e se movimenta de modo frenético. Em vez de ter humildade e desfazer tranquilamente o engano, fica mais prepotente e não deseja dar satisfações. Sai de cena bufando, volta à cena aos gritos. Bate à porta, empurra a cadeira, os objetos sofrem à sua volta.
Todo mentiroso ameaça, como um profeta de rua. Antecipa o apocalipse por tê-lo posto à prova. Já começa a inventar castigos e reprimendas como o fim da amizade e o término da relação. Prefere acabar a confessar.
Todo mentiroso não se desculpa. Pelo contrário, imagina o acusador pedindo perdão de joelhos pelo mal-entendido.
Todo mentiroso se projeta numa vaga de emprego, não parando de se elogiar, destacando os seus pontos positivos, sublinhando a sua honradez e ética na tomada de decisões.
Todo mentiroso nega e nega e nega: vai soletrando não antes mesmo de ser questionado.
Todo mentiroso conversa sozinho: não escuta nada, pergunta e responde, num júri imaginário. Ocupa, simultaneamente, os papéis de advogado de defesa, promotor e juiz.
Seu primeiro movimento é desqualificar a pessoa que o colocou em dúvida. Poderia desmontar a mentira, mas leva para o lado pessoal e ofende o outro, insinuando uma perseguição.
Não apresenta argumentos, muito menos detalha o ocorrido. Diz inicialmente que é um absurdo a falta de confiança. Tenta entrar no jogo psicológico dos atenuantes, lembrando que se conhecem há tempo e não merecia tamanha desconsideração. Implicará com a lealdade, falando que jamais esperava ser agredido com um golpe baixo. Desmerece a curiosidade e a caracteriza como prova de mais alta traição.
Todo mentiroso não quer perder tempo conversando, mas tampouco cala a boca.
Como não convence com fatos, depois age como um psiquiatra. Cria diagnósticos, despeja receitas, acumula distorções, estabelece sintomas de paranoia. Fará de tudo para provar que tudo é uma loucura e que todos estão doidos, menos ele.
Todo mentiroso é igual. Abomina a lógica e recusa as provas.
Não entende que a inocência não se prova.
Os sinais são evidentes. Quem não tem razão se sente cheio de razão. Quem tem razão não se sente intimidado com o erro.
A verdade é calma e curta. A mentira é penosa e aflitiva.
A verdade é um atalho. A mentira é o caminho mais longo e sempre passa pelo ataque de nervos.
Publicado em Donna ZH em 02/10/2017
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