Quando estamos furiosos, escrevemos rápido. Nem pensamos. Empilhamos mortos no caminho da digitação: palavras trocadas, erros de concordância. Não há capricho. A língua portuguesa é a primeira a adoecer com o ataque de nervos. O ímpeto é dar o golpe derradeiro para calar a boca do afeto que agora veste a carapuça de adversário.
Frases são socos, são jabs, são tapas. Digitar é puxar o cabelo, é empurrar contra a parede.
Você que entrou no bate-boca dos dedos, que está parado em algum lugar batucando o celular freneticamente, alheio às pessoas ao seu redor, não mais deseja a pacificação, o apaziguamento, o acerto. Algo explodiu em você e não consegue calar. Fugiram as rédeas do pensamento, apenas tem a ambição de entrar cada vez mais fundo na lama. Não sabe se acredita naquilo que diz ou diz para persuadir e parecer pleno de razão.
Perdeu a pose de civilizado, sem pontos na carteira de habilitação, atropela o bom senso com fúria assassina. Traça um percurso perigoso de ofensa, que talvez não tenha volta. Faz o retorno à briga de rua, à marginalidade por debaixo dos traumas.
Casais discutindo formam longos livros no WhatsApp. O irônico é que o primeiro nem tem tempo de ler o que o segundo escreveu. Se alguém pede perdão, o outro é capaz de passar reto e continuar xingando e reiniciar o ódio sem querer. Tudo poderia terminar ali, mas a trégua da gentileza e a bandeira branca não são vistas tremulando entre tantas caixas altas e desaforos.
Quem redige não aguarda a resposta, já vai empilhando blocos e blocos de texto e cimento para enterrar viva a sua companhia. Não oferece uma segunda chance, o direito à dívida, não realiza uma repescagem das incertezas, não vacila e não treme a mão. Se parasse um pouco e saísse um instante de perto da tela, respiraria novos ares e veria uma solução.
O par não está mais conversando, e sim se destruindo em monólogos descontextualizados, destacadamente avulsos e arbitrários. Não se respondem, respondem somente aos seus impulsos. São duas solidões se matando.
Escrever com o coração fervendo é ainda pior do que escrever com a cabeça quente.
Publicado em O Globo em 05/10/2017
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