quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

SAÍDAS DE EMERGÊNCIA

A mãe devia pensar que me distraia poeticamente com os pássaros, mas apenas escapava da fundo mortal dos cruzados de meus colegas

Minha escola pública não tinha um único portão de entrada e saída. Na verdade, tinha. Mas eu não poderia arriscar. Vivia no coliseu de Roma. Não se matava um leão por dia, fugia-se dele.

Em minha turma da segunda série, havia meninos muito maiores, já de bigode, que haviam rodado três anos seguidos. Eles roubavam a merenda e criavam um método nada refinado de tortura psicológica com apelidos e ameaças. Era apenas não dar cola na prova que qualquer um já virava jurado de briga.

- Vou lhe pegar na saída!

Quando um dos membros da gangue dos repetentes dizia tal sentença em voz alta, a escola inteira espalhava o indício de briga depois do último período. Improvisava-se a arena na praça, defronte à escola, longe dos professores e das advertências do SOE. Uma escolta de curiosos e mórbidos levava o condenado para o abatedouro e não lhe permitia pensar e declinar do perigoso convite.

No momento em que alguém prometia guerra, não se admitia covardia. A pessoa marcada ficava assinalada para sempre. Até conhecer o sangue de sua boca e perder os dentes de leite.

Terminava sendo a vítima predileta: franzino, desengonçado e de fala fina. Um ideal saco de pancadas para demonstração de virilidade dos agressores.

Eu passava o recreio testando acessos de emergência. Poderia ter sido bombeiro.

Conhecia a segurança da estrutura na palma da minha mão. Pulando duas grades da casinha de jardinagem, eu chegava à rua pela lateral do prédio. Eu me vali desse atalho algumas vezes, corria pela escadaria da Rua Itaqui e contornava cinco quadras. Fiz sempre caminhos mais longos no retorno ao lar. A ida para escola durava 10 minutos, a volta demorava meia hora. A mãe devia pensar que me distraia poeticamente com os pássaros, mas apenas escapava da fundo mortal dos cruzados de meus colegas. O sinal mal soava e já disparava, encerrava as tarefas com antecedência para deixar a mochila pronta e escapulir sem perseguição. Pelo tempo apertado, às vezes, não conseguia me desvencilhar do rebanho e dos dedos em riste na minha cara. Daí fingia ir ao banheiro e descia para a quadra de asfalto do futebol, o que me restava saltar do paredão de três metros. A sorte é que uma carroça largava sacos de lixo com jornais e papéis velhos no terreno, que amortizava a queda. Preferia quebrar a perna pulando a dar ao outro a honra das feridas.

Para sair da escola, não dependia de boas notas. Exigia um tanto de preparo físico e de resiliência.

Quando não vejo saída, guardo ainda o costume de abrir as portas de meu medo.

Publicado em Donna ZH em 08/10/2017

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