quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

O SANGUE CHAMA OS VAMPIROS

Educação tem que ser rápida. É pensar um pouco que perdemos a chance. É titubear que as boas intenções nunca serão concretas. É hesitar que a gentileza será somente um pensamento vão e inexistente.

Educação não tem rascunho, cópia, arquivo de segurança, repescagem. Ou é ou nunca fui. Exige atitudes determinadas. Ou o sangue bombeia o sopro benfazejo ou o vento troca repentinamente a imagem de nossas pálpebras.

Amarguei a lacuna em São Paulo. Uma senhora descia do táxi na rua Augusta. Eu estava caminhando e parei a trinta metros da cena. Vi que ela fechou a porta com dificuldade, sem força. Errou na primeira tentativa. Nesse momento, cogitei ampará-la, oferecer o braço e seguir com ela até à entrada de seu edifício. Só que me apareceu um receio imprevisto, um pudor incalculável, não quis ser invasivo, não desejei expor a sua fragilidade, todas as desculpas que vêm com a covardia, e estaquei, não me mexi para assistir ao desenlace como mais um anônimo provisório no fluxo da semana.

Não é que ela tropeçou na falha da calçada e se desequilibrou ruidosamente.

Não me deu tempo de correr – preso na distância da incerteza – e segurar o seu corpo desengonçado, em declínio com o peso da bolsa.

Os sapatos beges escapuliram dos seus calcanhares e ela bateu a cabeça no meio-fio.

Quando confortei o seu tronco com a parede do meu, procurando ligar para a Emergência com uma mão e conter o ferimento da testa com a outra, dei-me conta o quanto vacilei. Em vez de um favor pontual lhe prestava tardio socorro. O atraso do gesto transformou a timidez em tragédia. A vó acenava a cabeça dissuadindo cuidados:

– Não precisa, não precisa, me levanto sozinha.

Com oitenta e dois anos e de nome curto Lia, ela se assustou com o cortejo imediato de uma pequena multidão.

Antes ninguém se dispôs a ajudar, agora dezenas de curiosos se mostravam solícitos, inclusive eu. O sangue chama os vampiros.

Foram dois minutos de desinteresse da minha parte que quase custaram a vida de Lia. E ainda há a crença de que a falta de educação não mata.

Publicado em Vida Breve em 11/10/2017

Um comentário:

Alberto Medeiros Neto disse...

https://albertonettto.blogspot.com.br/?m=1