MINHA MANIA DE INVENTAR O PRATO
Sou aquela figura temida nos restaurantes. Não porque seja crítico do Michelin ou do Quatro Rodas, é que nunca concordo com o cardápio. Ele não existe para mim. Ao pedir um prato, eu penso, confabulo e chamo o garçom: quero este bife, mas pode mudar o molho vermelho, tirar o champignon e trocar por palmito.
O garçom me encara estranho:
– Você não prefere o número 5, com palmito e molho branco.
Daí medito um pouco mais e concordo em termos, tenho uma dificuldade para concordar integralmente em qualquer situação. A teimosia é a minha longevidade.
– Pode ser. Mas pode trocar o arroz e a batata palha por purê e salada.
A minha família, morta de fome, começa a se desesperar. Era para ser um simples almoço e se transforma numa batalha campal, numa negociação de troca de reféns, uma porção pela outra, uma guarnição pela outra infinitamente.
Já me encontro num pregão. O suor frio desce na esponja das sobrancelhas do garçom. Ele está encurralado pela minha conversa fiada e costuma aprovar as minhas exigências extravagantes para não se incomodar mais com o quebra-cabeça.
A minha presença em qualquer estabelecimento é suportada, nada agradável, à semelhança de um artista com manias absurdas no seu camarim.
Seria mais fácil inventar um prato, tamanhas as restrições com um tempero e uma combinação. Quem tem intolerância à lactose ou é vegano me entenderia, com a diferença de que o meu sofrimento é imaginário.
Eu entro no restaurante para me incomodar, não para relaxar. Crio uma refeição mental e não há como me demover da obsessão. Vou misturando todas as ofertas do cardápio, montando algo incomparável e incompatível. Melhor ficar em casa e cozinhar.
Só não me perturbo em galeteria e churrascaria, onde escolho o que gosto sem a obrigação de me indispor com ninguém.
E fujo, como o diabo da cruz, de restaurantes com cardápios com mais de 50 opções e ainda com batismo para cada uma delas. É muito trabalho definir o ponto de partida. Eu me esgoto intelectualmente para encaixar o resumo e o almoço termina virando jantar.
Não duvido que cuspam no meu alimento na cozinha, com um ingrediente absolutamente inesperado e indecifrável.
Publicado em Jornal Zero Hora em 16/01/2018
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