Só tive um terno até os quinze anos.
Um terno preto e um par de sapatos escuros. Usava para todas as situações que exigiam formalidade. Ia sempre com o mesmo traje em casamentos, batismos, enterros e formaturas da família. A mãe soltava a bainha conforme espichava, as mangas do casacos avançavam aos cotovelos. Não se cogitava comprar outro. Custava caro, os olhos da cara, e nunca reclamava.
Terno era para a vida inteira na minha infância. Eu crescia, ele encolhia. Andava com ele absurdamente menor, apertado, pelas horas graves da honra, quando tinha que parecer velho e sério. Não deveria faltar com o respeito quando colocava as minhas pernas e o meu tronco nele, roupa de ser grande e forte, precisava mastigar as palavras e suportar o silêncio.
Pegue o seu terno – meu pai me avisava com brevidade.
E eu tinha a noção de que alguém havia morrido. E tentava parecer mais triste do que realmente era. O chamado vinha claro e inegociável. Não podia rir, não podia brincar, não podia correr, não podia bagunçar com os meus irmãos.
Assim como havia o pijama para dormir, havia o terno para ser adulto. Ele me servia para antecipar a maturidade. Ele me preparava para a barba e para as dores. Era um tempo futuro recebido com antecedência, uma amostra grátis da velhice durante o meu corpo em formação, uma iniciação das conversas sussurradas e das despedidas.
Talvez eu não tivesse crescido sem o terno, confidente das primeiras lágrimas e sustos, cúmplice do mundo misterioso dos casamentos e divórcios, da culpa e do perdão, das demoradas celebrações. Sem ele, jamais entenderia que existe o momento de rir e o momento de não fazer piada, o momento de festejar e o momento de se calar.
Lembro que não o lavava, ele não conheceu a água e a espuma, o balde e o sol, minha mãe simplesmente passava uma escova em seus ombros para retirar os cabelos e a poeira e estava pronto para a nova batalha.
No meu armário, num cabide solitário de madeira, ainda o conservo. Ele preserva o cheiro e o suor da primeira metade de minha história, o DNA do meu espírito. É a mais fiel caixinha de recordações de casa.
Aquele terno esconde a minha imensa ternura de criança.
Publicado em Jornal Zero Hora em 30/01/2018
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