Que deixe uma semana sem fazer as unhas. Que se permita uma unha descolorida, uma unha gasta, uma unha desfeita, não há maior libertação do que participar de uma reunião com somente o coração da unha pintado e as bordas descascadas.
Que não se importe com o que o namorado pensa, com o julgamento do amor, com a cobrança da paixão. Peça primeiro para que ele arrume as cutículas das palavras e aja com educação e respeito.
Que não sofra com a obrigação da manicure semanal, a ponto de morrer pela aparência. A liberdade não é ansiosa. Não se escravize para agradar. Desligue a câmera dos outros em si.
Uma unha limpa e pura tem o seu valor, a sua sedução, a sua tranquilidade. Assim como os dentes, combinam com o guarda-roupa inteiro.
Não aceite a imposição de sempre cavar um horário a ponto de enlouquecer. Que o salão seja um prazer, que a bacia de água quente se faça em batismo. Não enxergue a poltrona como uma extrema unção, um deus-me-acuda, um senhor chefe me acusa.
A obrigação é machismo, achismo, controle. Que as mãos espalmadas não sirvam para algemas, e sim para o pássaro do pincel relaxar do voo e espalhar a tinta.
É inaceitável o jugo. A perfeição é pressão. Resista. Pule o calendário de vez em quando, salte a agenda ora e vez.
Qualquer pessoa riscará as unhas digitando, mexendo no celular, dirigindo o carro, escolhendo as chaves. Não é problema do esmalte, mas de mentalidade. Não volte para reparar, não entre em pânico para corrigir: abandone as cismas pelo improviso.
Não existe como se prevenir do acidente, da fricção, do contato. Mulheres não são bonecas para a exibição em caixa e plástico. Unhas desfeitas não correspondem a defeitos de fábrica. Cuspa as pilhas para fora das costas. Não se apequene para se mostrar impecável. Não se diminua para impressionar.
A naturalidade é afrodisíaca. Segure a felicidade com a ponta das unhas, sem medo de estragar.
Publicado em UOL em 27/10/2017
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