Os encontros deveriam ser marcados na última hora. Pena que não funcionam.
Agendamos compromissos quando estamos dispostos de manhã e não nos damos conta da exaustão do final do dia. Planejamos um cinema, um show, uma balada com amigos no momento de tranquilidade, e não percebemos que ainda teremos que atravessar um percurso inteiro de preocupações. Não há como ter conhecimento prévio do estresse que nos espera. Programamos o lazer noturno como se desfrutássemos do mesmo fôlego do despertar. Persiste o desejo de se divertir, porém o corpo não responde aos comandos da euforia.
Sempre ocorre um desgaste mental, um jogo de nervos, um dilema moral: será que vou ou não vou?
O contentamento vai desaparecendo lentamente, devido às atribulações da rotina.
No anoitecer, aquilo que foi anotado na agenda com ânimo e entusiasmo logo cedo já não parece tão agradável. Pelo contrário, a vontade é de cancelar sumariamente e achar as desculpas mais loucas para deitar na cama, colocar roupas confortáveis e procrastinar na frente da televisão.
Somos um ao combinar saídas e outro completamente diferente na véspera de sair. Não é desamor pelas amizades, não é velhice ou depressão, é simplesmente cansaço inesperado. Não possuímos controle do que virá pela frente, dos improvisos e desmandos profissionais. Somos sugados pela carga cada vez maior do emprego, pois não descansamos nem um minuto dos apelos das obrigações, dos e-mails, do WhatsApp e das ligações. Não há trégua e respiro. Morreu o lanche da tarde que animava o serviço e renovava o gás - o recreio e a sirene ficaram enterrados na vida escolar. É uma atenção em tempo integral que não vigorava antes da web. A jornada de 8 horas é folclore - não conheço quem não se dedique mais de 12 horas para a sobrevivência. A CLT está longe da realidade, prevê o que recebemos no salário, nunca o que efetivamente trabalhamos.
Quando um amigo desmarca um encontro, não condeno. Perdoo os furões. Sei que ele também é vítima da insalubridade digital.
Publicado em O Globo em 14/12/2017
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