Uma das desculpas prediletas femininas para prevenir o ciúme era a de dizer que o amigo era gay.
Sempre que nada surtia efeito para acalmar a cisma do namorado ou do marido com alguém próximo no trabalho ou nos grupos de convívio, a mulher encontrava um jeito de denunciar a orientação e afastar a chance de envolvimento. O afeto e o carinho passavam a ser justificados como mera espontaneidade de um confidente incomum.
O recurso surgia como um escudo, um álibi, para não configurar traição. Assim ela poderia sair livremente com um outro homem para tomar café e conversar, sem risco do celular tocando a cada quinze minutos. Enganava a paranoia dele, livrava-se da prestação de contas.
- Não tem sentido a desconfiança porque ele é gay.
A sentença abafava qualquer rumor de discussão de relacionamento, desarmava qualquer ameaça de fim e chantagem de malas na porta.
Como se o gay não demonstrasse perigo. Como se o gay fosse uma melhor amiga. Como se o gay fosse uma carta fora do baralho e houvesse uma ditadura heteronormativo em vigor.
Isso perdeu a validade atualmente, onde o amor não segue símbolos de porta de banheiro. Ama-se uma pessoa independente do gênero. A atração não mais obedece tabus e restrições antes de acontecer. A paixão é livre para desejar e experimentar, ainda que seja para contrariar um passado de predileções e as tendências de uma vida.
O ciúme não tem mais nenhuma barreira. É ecumênico e democrático. Os homens estão liberados para temer mulheres e homens, olhar para todos os lados e não afrouxar a dedicação. Não há exceção diante do reinado absoluto do sentimento.
Na verdade, raciocinando historicamente, apartado dos medos e dos preconceitos, não é uma novidade. Desde o princípio, os cupidos avisavam que não tinham sexo.
Publicado em O Globo em 23/11/2017
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