Durante almoço em uma cantina em Erechim, cidade gaúcha quase divisa com Santa Catarina, fui surpreendido pela entrada triunfal de um grupo de terceira idade. Mais de 150 mulheres felizes, ruidosas, dançantes. Dediquei um torcicolo para elas - mereciam. Tenho torcicolo a cada quatro anos, raro como uma Copa do Mundo, e pressenti que era o momento. Deveria aproveitar e girar a cabeça com força total para não perder nenhum dos movimentos daquele exército.
Elas desfrutavam de uma alegria fora do comum: desembaraçadas e sinceras nas gargalhadas. Não havia nenhum homem para atrapalhar. E não havia nem mesmo esperando em casa. Noventa por cento da comitiva era viúva. As meninas na faixa dos 70 a 90 anos estavam livres na pista de dança.
No começo, faziam piada de que mataram os seus maridos no cansaço, pouco a pouco. Os senhores foram incapazes de acompanhar a maratona amorosa.
- Tadinhos, exigíamos muito deles na subida e ficaram sem fôlego na descida.
Mas a comédia foi formando um estranho sentido. Elas provavam que a mulher é o sexo forte, e o homem é o sexo frágil. Derrubaram o preconceito com uma acachapante ilustração de vitalidade.
Os homens morrem cedo, é uma verdade absoluta. Os homens são fracos. Os homens não tem resistência. A força física é ilusória: não faz cócegas diante da força espiritual.
E veja só: homens de outras épocas, que não precisavam cuidar de casa, dos filhos, trabalhar ao mesmo tempo em que unificavam a família. Homens com a metade das obrigações femininas. Homens que não passaram por nenhuma gravidez em seu corpo, que não saíram à rua para garantir direito ao voto, igualdade em concursos públicos e salários equivalentes. Homens que não queimaram os sutiãs e não empreenderam revoluções culturais para o livre-arbítrio da mesa e da cama. Homens que não combaterem as leis e não asseguraram o divórcio. Homens que não experimentaram o desgosto da solidão e da incompreensão, homens que não enfrentaram o vexame de esconder as suas fantasias e economias da própria companhia. Homens que não passaram por nenhuma cobrança para se arrumar, para manter as unhas pintadas e a aparência impecável. Homens que não eram condenados a sorrir amarelo em público e chorar azul no quarto. Homens de aceitação social fácil e orgânica. Mesmo assim, com uma carga infinitamente menor de responsabilidade, sucumbiram antes.
Aquelas damas derrubaram todos os reis do xadrez. Aquelas damas comemoravam o casamento delas com elas mesmas. O casamento consigo. O casamento com a guerra. O casamento com a tenacidade. O casamento com a intimidade. Quem se conhece vive mais, vive o dobro, vive os sonhos para além da idade.
Publicado em O Globo em 26/10/2017
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