Você talvez não tenha observado.
Seu pai velhinho e a sua mãe velhinha andam com as mãos nas costas. As mãos em concha nas costas. As mãos entrelaçadas na espinha dorsal.
É para manter a postura ereta. Não permitir o ombro vergar com os passos. Eles ficam com um terço imaginário dedilhando os nós dos dedos enquanto caminham. Alguns roçam a aliança grossa, outros se divertem com a textura dos calos.
Atingiram um ponto da existência em que passeiam sempre com os braços para trás, como uma alavanca, eles mesmo se empurrando para frente.
Meus olhos umedecem, meus olhos são copos d’água quando os vejo. Pois meu pai velhinho e minha mãe velhinha se algemaram para a eternidade. Prenderam-se a Deus. Já se entregaram para os seus limites, aceitaram as fronteiras do corpo.
De modo voluntário, perdoaram os desafetos e confessaram a sua honestidade - não são só os crimes que devem ser confessados
Depuseram as armas e a violência dos gestos, apaziguados com a soma de sucessos e de fracassos.
Não se debatem contra a vida, não correm pela ansiedade de ser feliz, não se protegem com os punhos.
Eles estão fartos de brigas e empurrões, não apontam o dedo na cara de ninguém. Andam sem escudo, com o peito de pombos estufados, abertos, sem necessidade de voar para algum lugar.
Publicado em O Globo em 02/11/2017
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