segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

EMPRÉSTIMO ESTRAGA A AMIZADE

Dinheiro estraga a amizade, corrompe a amizade, prejudica a amizade. Nunca a relação de paz e cumplicidade será como antes se um amigo pede dinheiro emprestado. Pois a devolução interdita a confiança. Um telefonema ou um encontro arcará depois com a sombra monetária - esse corvo incansável - pairando sobre as cabeças.

Mesmo com a lealdade de décadas, mesmo que seja um acordo entre pessoas generosas, mesmo que ambos estabeleçam datas certinhas de reposição, não há como inibir os danos emocionais.

O dinheiro retira a pureza do convívio, amaldiçoa a espontaneidade das atitudes, macula o pensamento com segundas intenções. A naturalidade soará, em seguida, como oportunismo. As fronteiras entre a gratuidade e o interesse sumirão com o tempo.

Quem cede não pode cobrar, quem recebe fica tenso para devolver e os prazos nunca se confirmam. O adiamento produz fofocas de uma parte e desculpas de outra.

Não constranja o seu amigo solicitando um empréstimo. Ele não terá como negar. E se negar, devido ao orçamento apertado, realmente se achará a mais avarenta das criaturas. A cumplicidade vai recuar para o terreno minado das insinuações.

Todos têm gastos controlados com esposa ou marido ou pais ou filhos, qualquer saída de caixa acabará implicando mais gente e trará mais julgamento. Quem dá se enxergará obrigado a se explicar aos próximos o motivo da filantropia, porque tirou da receita e beneficiou alguém em detrimento dos demais. Os familiares pensarão que a situação anda cômoda, que vem sobrando recursos e passarão a exigir o dobro. O paraíso costuma ser vizinho do inferno das especulações.

Aquele que pede dinheiro é insaciável, tampouco se contenta com uma única ajuda, não se basta com a exceção, consolidará o confidente como uma saída fácil e conhecida para fugir dos juros dos bancos e dos cartões de crédito.

Amigo não é banco, amigo não é seguradora, amigo não é doleiro, amigo não é cambista, amigo é a simplicidade descompromissada.

O amigo deve ajudar apenas permanecendo junto, retirando conselhos e risadas dos bolsos. É arriscado assumir o papel de provedor e de pai das crises - o personagem não descolará do rosto.

Amizade não pode sair da mentalidade da infância, da época sem salário e sem cobranças, em que o máximo que se emprestava era balas, chiclete, bolachinha recheada, o canudinho do refrigerante e a felicidade dos braços nos ombros.

Publicado em UOL em 13/10/2017

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