Pé de bebê é um biscoito. Pequenino, formoso, desprovido de chulé. É uma segunda mãozinha na nossa cara, nem incomoda. Faz cócegas.
Pé de bebê é irresistível. Não dá para não brincar com ele e roubar risadas.
Só que eu fui um pai distraído. Da mesma forma em que perdi compulsivamente guarda-chuva na adolescência até desistir de me proteger, tornei-me o rei dos chinelos e sandálias extraviados de meus filhos. Quando carregava as duas crianças, elas voltavam para casa com um dos pés descalços. Foi uma constante humilhação para quem desejava se equiparar à atenção materna.
Na confusão do metrô, do shopping, da padaria, da praça, caía um par no caminho e não percebia. Eu somente identificava a ausência tarde demais. Deixei uma campanha de agasalho pelo chão de meus desastres.
O malabarismo de segurar o nenê no colo, equilibrar carrinho, portar malinha de cueiros, mamadeira e fraldas e me desviar dos obstáculos humanos gerava grandes prejuízos. Alguns passageiros e passantes me avisavam e me devolviam os pertences ainda em tempo (óbvio que e eu me sentia o pior pai do mundo pelo desleixo), mas nem sempre contei com a sorte da repescagem.
A gaveta deles apresentava um sem número de calçados solteiros, viúvos, desquitados. Dava pena jogar fora o que ficava, e também tinha a consciência de que dificilmente encontraria o faltante.
Na coleção da sapataria, havia mais desfalques do que porta-joias feminino e seus brincos avulsos pela vida.
Acho que criei em meus filhos, involuntariamente, o complexo de Cinderela. Espero que ambos não fiquem procurando príncipe e princesa por onde andamos nas respectivas infâncias e não formem grupos no Facebook com os colegas da creche e do jardim.
Toda hipnose regressiva tem seus limites. Temos que ir até onde vai a nossa responsabilidade, jamais afundar na culpa do outro. No caso deles, a culpa desse pai atrapalhado.
Publicado em Vida Breve em 08/11/2017
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