segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

JAULAS INVISÍVEIS

Fiz o passeio do encontro das águas em Manaus, cidade que amo pela simplicidade e empatia das pessoas. Na verdade, era uma reincidência. Repeti a proeza amazônica do verde e da correnteza. O céu de lá tem temperamento próprio e se curva aos barcos, as estrelas tremulam rentes aos navios e as nuvens giram, rápidas panteras, de um lado para o outro do horizonte.

O que me incomoda são os bichos presos, reféns do comércio de selfies. Prefiro um animal solto para somente enxergar a um próximo desprovido de sua autenticidade. Meus olhos têm mãos e se bastam com a distância. O que adianta o tato sem coração?

Enternecedor é descobrir um golfinho livre e independente surgindo inesperadamente das profundezas, ainda que visto de longe. Melancólico é ter um golfinho acessível aos dedos mas condenado ao cativeiro de uma piscina.

A natureza não deveria servir para enganar. Na minha viagem para o baixo e o alto do Rio Negro, encontrei o boto emparedado, sem ter como fugir, torturado pela fome, procurando receber em vão o peixe nas mãos do instrutor. Achei também o bicho-preguiça no colo de índios. Demorei para perceber que estava vivo tamanha a sua infelicidade e castigo do pelo. Lembrava um serzinho empalhado, pedindo socorro e súplica com as pupilas de brinquedo. Unicamente poderia segurá-lo se pagasse vinte reais. Nunca cogitei que abraços fossem vendidos. Vi, logo adiante, micos e toda interação custava notas na carteira.

Era um turismo da tristeza. Peixes enormes fisgados para o Instagram, sem nenhuma espera e paciência. Envolvia-me com experiências falsas e imediatistas para apenas consumar o checkin de um lugar.

Fui me encolhendo, como se fosse um teatro para se dizer que se conheceu a Amazônia, não uma vida de verdade ecológica para modificar a maneira de encarar o mundo.

Guardo desconfianças com zoológicos e suas jaulas visíveis, onde dar comida é visto como intimidade. Mas nada me constrange tanto do que jaulas invisíveis e bichos retirados da naturalidade de seus instintos e do habitat de suas famílias.

Publicado em Vida Breve em 18/10/2017

Um comentário:

Banda Tempestade Tropical disse...

Fiz um passeio que contemplou toda essa agonia. No momento, me encantei, pois imaginava que seria uma interação que jamais teria. No entanto, me entristeço ao reconhecer essas tantas jaulas das quais você fala. E me envergonho.