A mesa da escola era a minha caverna. Desenhava longamente quando não prestava atenção na aula. Caracterizava o nosso jeito de nos comunicarmos com o colega ao lado. Deixávamos sinais engraçados, lembretes sérios, avisos da nossa existência mais recôndita.
Os dizeres por debaixo dos livros formavam nosso código morse, nossa rede de informações, nosso muro de lamentações, nossas pichações transgressoras.
Cada um tinha uma mesinha, do tamanho de uma prancheta de arquiteto, para expor os seus conflitos e desejos a lápis. Tiago fazia monstros. Ricardo transformava o espaço em parede de banheiro, para criar safadezas. Giselle enchia a sua classe de corações e cupidos. Dorotea respondia desaforos aos pais que se separavam no momento, em louco diálogo imaginário (divórcios doíam naquela época).
As personalidades e temperamentos se mostravam inteiros naquele território pré-WhatsApp. Como o caderno custava caro, não usávamos as folhas, poupávamos o material escolar exclusivamente para as aulas. Nosso escape terminava sendo desabafos e caricaturas naquele quadro mágico. Nosso quartinho de grafite para não ser sufocado por fórmulas matemáticas e regras gramaticais.
Todo dia cobria a sua extensão de rabiscos e garatujas. Toda manhã seguinte estava tudo apagado. Como um castelo de areia que não durava vinte e quatro horas com a maré alta. Insistia em escrever, já entendendo que a posteridade não existia por ali. Da minha turma, só eu e Alice chegamos ao curso superior, mais ninguém dos quarenta estudantes.
Os professores não precisavam nos botar de castigo ou mandar para o SOE para descobrir os nossos pensamentos secretos. Bastava conferir as mesas no fim da aula, diários escritos na fórmica de pequenos prisioneiros de seus sonhos.
Publicado em Vida Breve em 15/11/2017
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