Você pode ser uma abelha ou uma mosca no relacionamento.
A abelha busca o pólen, prepara longamente o mel do seu esforço, articula as asas em nome da colmeia, chega a esquecer de si pela alvoroço da família, tem a euforia de passear acompanhada, não protesta pela casa e alma cheias. Mesmo quando a vida não ajuda, trabalha a esperança. Não entrou num romance para esperar algo, mas para fazer. Não reclama à toa, partilha os seus dilemas procurando uma solução. A dúvida a inspira a perseguir novos jardins e explorar outras paisagens.
Por sua vez, a mosca namora ou casa já pensando no divórcio, já receosa do fracasso, já aguardando a confirmação de seus medos. Sempre tem razão, sempre replica expectativas desagradáveis. Quer provar que o seu par não presta, ainda que tenha que se privar da própria felicidade.
Ela sobrevoa sobras mortas e fica catando implicâncias superadas. Adota o ciúme para desqualificar, emprega a competição para constranger. Não avalia a sua alegria por aquilo que pode oferecer, mas por aquilo que pode receber. Não vai adiante nas adversidades, para no ar, fixa-se no passado. Revela o pior de sua companhia, desmerecendo os elogios e omitindo os avanços. O
olhar é songamonga, jamais se contentando com pequenas (e sublimes) demonstrações de apreço. Não cria o seu espaço, aproveita-se da personalidade alheia. Suga apenas a realidade de suas projeções, pois nenhuma mosca é capaz de morder ou mastigar os problemas. Acha que o outro não precisa de nada, não valoriza a intimidade, jura que as discussões serão resolvidas automaticamente sem contrapartida de atitude.
A mosca finge que está tudo bem quando está mal, finge que está mal quando está tudo bem, não enfrenta a verdade, conversa fatiado realizando muitas coisas paralelamente, isenta-se pela pressa dizendo que não é a melhor hora para mudar (nunca é a melhor hora), não coloca a sua companhia como prioridade, deixa o telefone tocar quando vê o nome, não retorna a ligação de imediato, conserva uma atenção dispersiva, arruma pretextos para não se mexer, não pede desculpa porque não acredita no parceiro, subestima qualquer reivindicação por ternura (considera tudo um drama), não agradece a vigília do respeito, não retorna gentilezas, não se prontifica a favores, descuida das preocupações fora do seu universo, quando fala fala somente de si, não se interessa com o que pode ser feito a dois, não percebe cenas românticas e roupas sensuais, arma-se de uma pendência no trabalho ou um assunto mais importante a resolver para manter a confortável inércia.
A mosca é egoísta, a abelha é solidária. A mosca é do contra, a abelha é a favor. A mosca é conformada, a abelha é curiosa. A mosca provoca enterros, a abelha apressa renascimentos. A mosca revira o lixo das contradições, a abelha organiza o caos e separa o útil do fútil. A mosca incomoda, a abelha incentiva. A mosca não defende ninguém, a abelha possui a ferroada para proteger quem ama. A mosca abandona, a abelha carrega.
Ambas voam. Mas só a abelha sobe alto no amor.
Publicado em Donna ZH em 22/10/2017
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