Quando adolescente, eu sempre andava com uma caneta Bic no bolso da camisa. Não era para escrever, mas para desenrolar a fita-cassete de 10 cm por 7 cm. O rolo às vezes escapava das duas bobinas e precisava rebobinar.
Não havia CDs, streaming, aplicativos, nem celular, o único jeito de montar trilhas sonoras consistia em gravar a programação direto das rádios.
Custava muito esforço. Significava noites em claro para localizar as músicas favoritas. Não existia a possibilidade de cochilo e distração. Fazia-se plantão na frente do som 2 em 1. Com xícaras obsessivas de café, a tarefa exigia concentração absoluta. A habilidade estava em apertar e soltar rapidamente os botões REC e PLAY, eliminar os comerciais e organizar uma coletânea parecida com a continuidade de um LP.
A voz do locutor complicava o trabalho. Aparecia do nada para identificar a estação. Já no finalzinho da canção, despontava o reclame, como relâmpago impossível de conter. A propaganda inesperada no meio do refrão arruinava o trabalho.
Obrigava-me a treinar a telepatia. Adivinhar quando iria surgir o apresentador, para suspender por alguns segundos a gravação e retomar o fio da meada em seguida. Emendava lacunas, sem nenhuma ilha de edição, no dedo mesmo, num artesanato puro, suando frio. Tinha que ocupar trinta minutos do primeiro lado e mais trinta do segundo. O espaço comportava uma seleta de duas dezenas, sendo que cada uma das composições passava pelo corte e costura das teclas.
Na época, não nos declarávamos com flores e cartão, caixa de bombons e ursinho de pelúcia. Preparávamos fita-cassete para quem amávamos. Ninguém queria sofrer o vexame de receber um fora pessoalmente das meninas, ainda mais diante dos colegas e da turma. Assim, o recurso romântico utilizado era montar uma trilha para expressar a atração. As baladas traduziam os nossas emoções mais secretas. As letras demonstravam o que não conseguíamos falar cara a cara. Você conquistava alguém com cartas musicadas. Vinha a ser o jeito daquele tempo para vencer a timidez e declarar o amor.
Ninguém ousava dizer eu te amo, o que se dizia:
- Fiz uma fita para você.
E se esperava, com ansiedade, o telefonema na semana seguinte, a voz do outro lado que valia as nossas 20 canções prediletas.
Publicado em Donna ZH em 10/12/2017
Nenhum comentário:
Postar um comentário