Quando está sozinho, os braços são um problema para o homem. Um estorvo. Ele não decidiu muito bem o que fazer com os gestos. Vacila no controle da marionete de si mesmo. Quer manter uma postura séria, compenetrada e não relaxa o tronco. Costuma escolher duas posições de defesa: braços cruzados e mãos no bolso. Neste momento, metade dos homens do universo estão com a mão no bolso e outra metade de braços cruzados.
O que o macho gostaria é de pegar tudo com os pés. Seu maior desejo é nunca parar de jogar futebol e fazer embaixadinha com os objetos e roupas. Se possível, inventando um gol na cesta da lavanderia ou na gaveta.
Se largo uma cueca no chão, jamais vou me abaixar para buscar, raciocino o custo-benefício da situação, vejo que será mais fácil não me mexer e ergo a roupa com o dedão. Jogo para cima e seguro depois em festa, como se fossem cupons de urna de shopping no Natal.
Não é uma atitude isolada. Tento abrir portas com os pés, mexer na geladeira com os pés, segurar elevador com os pés, recolher xampu com os pés. Os pés são sempre mais rápidos. É também uma forma de me divertir, de manter a infância da molecagem, de realizar malabarismo de circo, de ser engraçado. Até para tirar ou colocar o tênis dispenso as mãos. Vou enfiando os pés e pulando pela casa esperando me encaixar na fôrma.
A praticidade não me seduz, opero por desafios nas atividades prosaicas e domésticas. É um rapel estranho pelas paredes do apartamento. Realizo simpatias e cumpro metas _ falta apenas me fantasiar de Capitão Gancho.
Quem não gosta nem um pouco das minhas brincadeiras é a minha esposa. Vive cortando o meu barato. Acha que sou preguiçoso e não entende nada do meu incurável universo infantil. As mãos são o fracasso do homem, somente usadas em último caso.
Publicado em Donna ZH em 26/11/2017
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