quarta-feira, 30 de agosto de 2017

A CIDADE NAS MÃOS

Os professores não podem perder de vista a importância de propor maquetes para os alunos.

Eu conservo a fascinação da minha primeira maquete, em que tentei reproduzir o meu bairro Petrópolis na feira de ciências. Por um bom tempo, colecionei caixas de fósforos e de remédios e tampinhas para transformar em prédios e canteiros. Assumi um olhar microscópico para a coleta seletiva. Comprei também isopor, cartolina, papelão, papel crepom e varetas e fui desenhando o gramado da Praça Tamandaré com tinta guache. Atravessei as horas livres com pinças e agulhas, cuidando para reproduzir o mundo em miniatura. Eu queria ser leal e real o máximo possível, a ponto de todos os meus colegas identificarem de imediato o lugar escolhido. Nunca trabalhei tanto para o invisível, compunha fachadas, abria portas e janelas com furos minúsculos. Não queria que a cola de madeira aparecesse. Cuidava para colocá-la somente debaixo das construções.

Levei três meses para organizar um espelho das calçadas estreitas, com as ladeiras e curvas. Nas andanças, contava quantas árvores tinha em cada rua para não mentir para a vida.

Se hoje amo a minha cidade, eu devo àquela maquete. Não esqueço do medo de carregá-la em minhas mãos até a escola: o medo de tropeçar, o medo de escorregar e perder tudo o que tinha feito. Eu tinha a cidade em uma bandeja de garçom, equilibrando-a junto com a mochila e a merendeira. Suei frio, por certo, e coração acelerado com o tesouro frágil da minha observação. Mas mantive, desde lá, o senso de responsabilidade com o lixo indevido, com as pedras saltadas, com os buracos nas vias. Não poderia haver maior aula de cidadania e de educação cívica.

Antes, a cidade era uma abstração que apenas usava, ela se tornou palpável com as noites perdidas imitando os seus contornos.

Eu me elegi prefeito de um cosmos de formigas. Notei o quanto custava aplainar os telhados de uma casa e zelar pela paz de seus quintais. Quando algum menino, por molecagem, queria testar a força do papel para estragar a minha construção e a minha nota, eu tinha que intervir e rosnava como um cachorro protegendo a sua propriedade.

Lembro dessa insignificância infantil porque Porto Alegre se encontra abandonada. Esquecemo-nos de que levamos 245 anos para levantá-la, um monumental esforço desperdiçado.

Estamos dependendo da pureza das maquetes de novo, dos dedos pequenos e ágeis de nossos estudantes. Para cada um se sentir dono desse canto outra vez e carregar a Capital em seus braços, no momento em que ela mais precisa.

Publicado em Jornal Zero Hora em 25/07/17

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