terça-feira, 29 de agosto de 2017

QUANDO UMA MULHER APARECE

Foto: Gilberto Perin


É uma mulher sentar numa mesa só de homens que muda todo o clima. É um enigma que sentou na mesa. É o mistério que sentou na mesa. É o improvável que sentou na mesa.
O perfume modifica a paisagem, o tom de voz é diferente, mais sussurrado e pausado, paira no ar uma sensação de graça.
Graça, essa palavra pequena, mas essencial. Mulher tem graça. Rompe com aquela conversa monotemática masculina, de intimidade desaforada. Os assuntos são outros e mais desafiadores. O preconceito se esconderá debaixo das cadeiras como um cachorro entretido com as sobras.
Ela transformará o espírito da noite. Uma única mulher representa o universo inteiro sobrenatural das mulheres. Não há como determinar o rumo das horas. Antes nada aconteceria, seria basicamente trago e piadas, agora tudo espiritualmente pode acontecer, com reviravoltas no entendimento da vida.
Os homens presentes pensarão mais ao escolher as frases, tentarão agradar, serão mais submissos e obedientes ao silêncio.
É uma mulher aparecer, com seu domínio dos gestos, que esvazia o copo das palavras dos homens.
É uma mulher aparecer que os homens deixam de ser crianças.
É uma mulher aparecer que os homens ficam nervosos e se controlam.
É uma mulher aparecer que a sinceridade encontra os bons modos.
E haverá um espetáculo de delicadeza ao redor: ela empunhará o corpo com um cuidado místico, ela molhará os lábios como quem renova o batom, ela olhará nos olhos do garçom de igual para igual na hora de pedir o seu drinque.
É um novo ritmo coreográfico no balé dos guardanapos. Aliás, os guardanapos, até então intocados, passam a existir.
Ela conhece muito bem os cotovelos para não deixá-los perdidos entre os talheres - encaixa os braços como se estivesse no parapeito de uma janela.
Ela conhece muito bem a direção do vento para posicionar o rosto -
capaz de discordar apenas ajeitando a franja.
Nada é aleatório, casual, assiste-se a uma aula de autenticidade. Vem o mundo interior à tona com uma simplicidade desconcertante. Os temas planos, opacos e superficiais vão desaparecendo para opiniões e crenças que realmente importam, do fundo dos temperamentos.
Uma mulher sentada é a graça de pé.

Publicado em O Globo em 20/04/17

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