Arte: Eduardo Nasi
Nunca mais verei o futebol como enxergava em minha infância. Eu entrava na Coreia no estádio Beira-Rio.
Era um fosso entre a arquibancada e o campo, cantinho popular, onde o público sem condições assistia ao jogo. O ingresso custava mais barato que as outras dependências: seria hoje o equivalente a 5 ou 10 reais.
Acompanhamos a partida de pé. E de pé ficávamos na altura dos pés dos jogadores. Os olhos permaneciam no nível do gramado. Os jogadores cresciam em estatura e elasticidade: gigantes, imensos, monstros de nosso limitado e macroscópico posicionamento. Os ídolos viraram estátuas de bronze.
Desfrutávamos de uma visão impressionista e nervosa dos duelos. Testemunhávamos a grama levantando com carrinhos, a sombra da bola, o som da chuteira em faltas de longa distância.
Como se estivéssemos filmando o espetáculo para o canal 100, entre os gandulas e as placas de propaganda. Só os arames farpados nos impediam da invasão.
Nem sempre víamos os gols. Às vezes comemorávamos de acordo com o rugido da torcida, com o delay do grito.
Formávamos o saco de pancada do resto do estádio. Ou melhor, o saco de mijo. Tínhamos que escapar dos arremessos de copos em nossas cabeças com o líquido duvidoso. Parecia cerveja, mas nunca era. Melhor nem perguntar.
De recompensa, a bola sempre caía em nossas proximidades. Quando o Inter estava perdendo, logo devolvíamos para apressar a virada e não perder tempo. Quando o Inter vencia, levávamos a bola para casa. Escondíamos na camiseta, em repentina gravidez masculina.
Felicidade mesmo vinha na comemoração do título. Nós, os pobres, os bastardos, os chinelos, os trabalhadores, recebíamos os desfiles dos jogadores com a taça, a um palmo do nariz. O espaço maldito convertia-se em camarote vip. Ninguém gozava de nossas regalias. Cumprimentávamos os atletas ainda suados das conquistas.
A Coreia foi a trincheira do meu mais sortudo fanatismo.
Publicado em Vida Breve em 17/05/17
Nenhum comentário:
Postar um comentário